domingo, 3 de fevereiro de 2013

CALIGRAFIAS OCULTAS



(Luís Bárcenas Gutiérrez e excerto do seu caderno quadriculado publicado pelo El País)
Enquanto que por cá e a reboque do PCP o caso Franquelim Alves, novo secretário de Estado da Competitividade, Inovação e Empreendedorismo, vai atiçando o PS e até despertando Manuel Alegre de uma longa letargia, pelas bandas de Espanha as coisas estão pretas para o PP.
Como dano colateral de um caso de corrupção e de branqueamento de capitais (o caso Gürtel), o ex-tesoureiro do PP, Luís Bárcenas Gutiérrez (puxado a tesoureiro nacional pelo próprio Rajoy), virou uma bomba de relógio para todo o PP. No centro da questão, está a divulgação por parte do El País de um conjunto de contas paralelas do partido, nas quais surgem alegadamente revelados pagamentos fiscalmente não declarados a toda a série de dirigentes do partido, incluindo gente atualmente no governo espanhol, entre os quais o próprio Rajoy, com desmentido oficial deste último.
Em todo este processo, o que verdadeiramente me fascinou foi o registo material em que as tais contas paralelas foram registadas. O El País publica hoje os fólios do caderno quadriculado em que Bárcenas registava, fictícia ou rigorosamente, os pagamentos aos membros do partido. Se esperavam um registo high-tech, passível de um delete rápido ou impercetível quando as coisas dessem para o torto, estão enganados. Os registos, que constituem hoje em Espanha o facto esmagadoramente mais comentado, surgem num caderno quadriculado com uma caligrafia que, essa sim, é um prodígio de contabilista à moda antiga.
O caso em si terá repercussões políticas na medida em que o seu impacto na sociedade espanhola possa transcender os muros do PP ou vencer a incredulidade de um PSOE atónito. Mas na minha perspetiva constitui uma profunda metáfora do que é efetivamente o PP. Aparentemente garante de uma nova modernidade da direita espanhola, a verdadeira imagem do PP é a de um caderno quadriculado, religiosamente anotado pelo seu tesoureiro nacional, uma espécie de registo de uma rede de cumplicidades, com uma caligrafia de fino traço. Sim, esse é o verdadeiro PP.
Por outro lado, quem lê regularmente os jornais espanhóis compreende que o descalabro da bolha financeira e imobiliária espanhola é um longo emaranhado de cumplicidades, no qual algumas forças políticas estão comprometidas até à medula. Não há dia que não se fale de um caso de justiça com esses contornos.

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