Ainda em Genève, não posso deixar de reparar na
contradição que existe entre as condições de trabalho amenas e até bucólicas
que se vivem nas instalações da OIT e as condições de trabalho de muitos países
sobre as quais a organização se tem debruçado, denunciado e constituído uma
referência de propostas para níveis mais decente de trabalho e das condições
para o exercer. O ambiente é calmo, distendido, excelente para a reflexão, as
áreas são vastas, mas contrastam de facto com a incomodidade das condições de
trabalho em muitos dos contextos nacionais.
Genève é uma cidade manejável, não direi afetiva
e acolhedora, mas muito acessível. Alguns indicadores simples de favorecimento
do uso de transporte público dão o mote: (i) o visitante que chega ao aeroporto
prime um botão à chegada numa máquina solícita e tem acesso a um bilhete
gratuito de 2ª classe para transporte público até ao centro da cidade com
duração de 80 minutos; (ii) os hotéis oferecem a cada cliente um bilhete de
transporte público gratuito válido para todo o período da sua estadia.
Com toda esta ambiência e a hospitalidade e o
rigor de Daniel Vaughan Whitehead, coordenador do projeto no âmbito da OIT,
mergulhei hoje na complexidade e diversidade não só da incidência do Modelo
Social Europeu, mas sobretudo das alterações que estão a ser generalizadamente
introduzidas na sequência da crise de 2007-08 e da crise das dívidas soberanas
(neste caso atingindo sobretudo os países da Europa do sul). É, de facto, difícil
isolar o que são alterações induzidas pela procura de níveis mais elevados de eficiência
da despesa pública e da complexa gama de intervenções do estado das que vêm
associadas ao já aqui por várias vezes comentado mito da austeridade
expansionista. No grupo de trabalho, estão representados alguns países do leste
e centro europeu, neste caso a Estónia, Hungria e Letónia. À medida que vou
tomando contacto com a realidade destes países, nos quais o Modelo Social
Europeu é visto como um resquício do velho socialismo, pelo menos pela
generalidade dos governos que têm estado recentemente no poder, melhor compreendo
as dificuldades de negociação destes temas no contexto europeu. Falar de modelo
social europeu nesses países exige de facto muita imaginação e boa vontade. A
defesa de posições na Europa do sul é neste contexto tarefa ingrata.
A perspetiva da OIT começa a ficar clara. O
objetivo é apresentar evidência consistente dos impactos estruturais que a
crise e as políticas de austeridade estão a provocar nos diferentes elementos
do referido modelo social, sem embargo das medidas implementadas para assegurar
a sua sustentabilidade. Pela nossa parte, as baterias estão apontadas em reunir
evidências sólidas sobre a degradação da posição das classes médias, com todas
as consequências que daí advirão.
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