(Duas conferências
à distância de quase 400 kilómetros, tempo escasso para blogar e tentativa de articular dois temas aparentemente
tão diversos)
Tempos agitados, com duas intervenções em Évora (ontem) e
Famalicão (hoje), automóvel, muito automóvel e nada de comboio, logo reduzida
margem de manobra para me concentrar neste espaço.
Duas conferências, dois modelos curiosos e criativos,
duas cidades que não Lisboa e Porto, por isso sinais de um país que mexe e que
diz “existimos”, prestem-nos atenção, temos coisas para dizer.
O modelo de conferência de Évora é curioso e inovador. A Unidade
de Monitorização de Políticas Públicas da Universidade de Évora, coordenada
pelos Professores Paulo Neto e Maria Manuela Serrano promoveu por iniciativa
dos seus coordenadores a elaboração de uma obra coletiva, Políticas
Públicas, Economia e Sociedade, na qual tive a grata
possibilidade de participar com um artigo. Tal como já aqui referi, o artigo focava-se
nas políticas de inovação e internacionalização e na margem de manobra que
existe para as territorializar ou modular em função dos modelos de desenvolvimento
económico-territorial em curso no país, discutindo a escala pertinente dos
territórios para a operacionalizar. Ora, essa obra coletiva já publicada (e ao
que parece com alguma notoriedade) deu origem a um ciclo de conferências, Políticas
Públicas 2020, em que se dá a alguns autores de artigos na referida obra
coletiva a oportunidade de organizar uma conferência com dois convidados. Tive
a honra desse convite e propus uma sessão dedicada ao tema “As Políticas de Inovação e Internacionalização como
Instrumento de uma nova Trajetória de Crescimento da Economia Portuguesa”, tendo convidado para essa sessão os Professores Mário Rui Silva da FEP e
Sandro Mendonça do ISCTE, com os quais tenho tido alguma experiência de
trabalho, particularmente com o primeiro.
A sessão de Évora foi muito retribuidora, apesar de uma viagem que continua
a ter de fazer-se de automóvel, pois ainda não é fácil conjugar as viagens de
Alfa entre Porto e Lisboa com a viagem para Évora, sinal de um país que nunca deu
a devida atenção ao transporte ferroviário. Com um almoço num dos meus
restaurantes de eleição, o Dom Joaquim, cada vez mais aprazível, estavam
criadas as condições para uma sessão muito amigável, a que a sala dos professores,
a já célebre sala do Capelo, deu o ambiente certo e acolhedor, sobretudo com alunos
de mestrados e doutoramentos e professores do corpo docente dos cursos de
Economia a compor uma ambiência que já há muito não partilhava.
O mote que dei aos meus convidados levava obviamente água no bico. Desde o
ajustamento penoso protagonizado pela governação Paf, passando pelo agitado ato
eleitoral e culminando na governação atual, tem-se discutido muito estabilização
macroeconómica e financeira, consolidação orçamental, viragem da página da
austeridade, um novo tipo de austeridade ou simplesmente a reposição da normalidade.
Tem-se discutido muito e com demasiado ruído. Tem-se discutido pouco o que
interessa discutir, como imprimir à economia portuguesa uma nova trajetória de
crescimento, que é o que verdadeiramente interessa ao nosso futuro, sobretudo
do ponto de vista de como se “transita” do lio orçamental e de endividamento em
que estamos para essa nova trajetória de crescimento. Ora, em meu modesto
entender, essa discussão não pode deixar de integrar as políticas de inovação e
internacionalização como algo de crucial para atingir esse desiderato,
sobretudo num quadro em que o ministério da Economia parece não ter ainda
encontrado o seu rumo. E foi isso que fizemos ontem em Évora numa sessão de
grande elevação, passe a modéstia de ter sido o pai dos objetivos da sessão.
Não me vou alongar na sua descrição, isso fica para eventuais espaços e inspirações
futuras, mas gostaria sobretudo de trazer para aqui um contributo para a
discussão que o Mário Rui Silva colocou com pertinência na sessão. Ele chamou a
atenção para o facto de uma nova trajetória de crescimento, com maior
incorporação de conhecimento e mudança estrutural nas exportações portuguesas, ser
indissociável da criação de condições para que o investimento, sobretudo o
empresarial privado, retome ritmos de formação bruta de capital fixo pelo menos
similares aos que eram praticados antes da derrocada iniciada em 2009. De facto,
é bizantino admitir que esse esforço de mudança estrutural possa concretizar-se
sem que o investimento empresarial privado retome de novo uma dinâmica de crescimento.
A ideia de que a mudança estrutural é apenas concretizável com imaterialidade é
pura idiotice, qualquer esforço de investigação e desenvolvimento tecnológico
para se concretizar em novas abordagens de liderança de mercado exige avultado
investimento e isso chama-se revitalizar a formação bruta de capital fixo. O Mário
Rui Silva tem razão em afirmar que não tem visto do governo atual um discurso
firme e coerente na criação de condições para que o investimento empresarial
privado retome essa dinâmica, num contexto de redução de incertezas em matéria
de créditos fiscais ao investimento e outras intervenções possíveis. Dizia-me
alguém esta semana que os empresários estavam perplexos em terem recebido fortes
estímulos ao reforço da capitalização das empresas e rapidamente esse esforço
ir ser taxado em moldes pouco amigáveis. Desorientação das desorientações, será
que um pouco de articulação interna na governação é pedir demasiado?
Uma nota final para uma classificação que o Sandro Mendonça trouxe entre outras
coisas interessantes ao debate. Há uma distinção cada vez mais pertinente na
economia e entre os economistas: de um lado a economia e os economistas “reais”
e do outro a economia e os economistas “surreais”. Ontem, na mesa da sessão não
havia economistas surreais e na audiência, pelas questões suscitadas, se
existissem estiveram prudentemente calados.
Hoje, na conferência “Território: Casa Comum” na Fundação Cupertino Miranda,
em Vila Nova de Famalicão, a convite sobretudo do Álvaro Domingues e do Nuno
Travasso da FAUP, estará sobretudo em causa a interpretação e a possível intervenção
sobre os territórios da urbanização extensiva. O meu olhar sobre esta
realidade, revisitando territórios em que tenho trabalhado com alguma intermitência,
o Ave e o Cávado, sobretudo, talvez mais o primeiro, será pouco o do
planeamento urbanístico e muito mais o do economista que não pode deixar de
abordar a urbanização extensiva como algo de mergulhado numa realidade mais ampla
que é o do modelo de desenvolvimento económico e territorial de tradição difusa
que caracteriza estes territórios. Que se transformaram e ocupar-me-ei disso
essencialmente e ainda ontem, na sessão de Évora, veio à baila a Riopele, hoje líder
mundial em alguns produtos têxteis de grande sofisticação tecnológica, que
investe em I&D 12% do seu VAB. Sim, não é engano, 12% do VAB gerado em
despesas de investigação e desenvolvimento.
E como eu acredito nas harmonias universais que me auxiliam sempre e
divinamente nestas minhas intervenções, estamos a fazer 35 e 25 anos que foram
publicados dois artigos fundamentais do grande Giacomo Becattini para inscrever
o conceito de “distrito industrial” como unidade de análise e como modelo de
produção, crucial para entender a transformação de certos territórios. Foram
essas harmonias universais que me trouxeram à mão o último número do Journal of
Regional Research – Investigaciones Regionales, com um artigo fundamental do
Fabio Sforzi revisitando o conceito. Bastante útil para a minha intervenção de
hoje à tarde.
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