sábado, 20 de fevereiro de 2016

DE ÉVORA PARA FAMALICÃO




(Duas conferências à distância de quase 400 kilómetros, tempo escasso para blogar e tentativa de articular dois temas aparentemente tão diversos)


Tempos agitados, com duas intervenções em Évora (ontem) e Famalicão (hoje), automóvel, muito automóvel e nada de comboio, logo reduzida margem de manobra para me concentrar neste espaço.

Duas conferências, dois modelos curiosos e criativos, duas cidades que não Lisboa e Porto, por isso sinais de um país que mexe e que diz “existimos”, prestem-nos atenção, temos coisas para dizer.

O modelo de conferência de Évora é curioso e inovador. A Unidade de Monitorização de Políticas Públicas da Universidade de Évora, coordenada pelos Professores Paulo Neto e Maria Manuela Serrano promoveu por iniciativa dos seus coordenadores a elaboração de uma obra coletiva, Políticas Públicas, Economia e Sociedade, na qual tive a grata possibilidade de participar com um artigo.  Tal como já aqui referi, o artigo focava-se nas políticas de inovação e internacionalização e na margem de manobra que existe para as territorializar ou modular em função dos modelos de desenvolvimento económico-territorial em curso no país, discutindo a escala pertinente dos territórios para a operacionalizar. Ora, essa obra coletiva já publicada (e ao que parece com alguma notoriedade) deu origem a um ciclo de conferências, Políticas Públicas 2020, em que se dá a alguns autores de artigos na referida obra coletiva a oportunidade de organizar uma conferência com dois convidados. Tive a honra desse convite e propus uma sessão dedicada ao tema “As Políticas de Inovação e Internacionalização como Instrumento de uma nova Trajetória de Crescimento da Economia Portuguesa”, tendo convidado para essa sessão os Professores Mário Rui Silva da FEP e Sandro Mendonça do ISCTE, com os quais tenho tido alguma experiência de trabalho, particularmente com o primeiro.

A sessão de Évora foi muito retribuidora, apesar de uma viagem que continua a ter de fazer-se de automóvel, pois ainda não é fácil conjugar as viagens de Alfa entre Porto e Lisboa com a viagem para Évora, sinal de um país que nunca deu a devida atenção ao transporte ferroviário. Com um almoço num dos meus restaurantes de eleição, o Dom Joaquim, cada vez mais aprazível, estavam criadas as condições para uma sessão muito amigável, a que a sala dos professores, a já célebre sala do Capelo, deu o ambiente certo e acolhedor, sobretudo com alunos de mestrados e doutoramentos e professores do corpo docente dos cursos de Economia a compor uma ambiência que já há muito não partilhava.

O mote que dei aos meus convidados levava obviamente água no bico. Desde o ajustamento penoso protagonizado pela governação Paf, passando pelo agitado ato eleitoral e culminando na governação atual, tem-se discutido muito estabilização macroeconómica e financeira, consolidação orçamental, viragem da página da austeridade, um novo tipo de austeridade ou simplesmente a reposição da normalidade. Tem-se discutido muito e com demasiado ruído. Tem-se discutido pouco o que interessa discutir, como imprimir à economia portuguesa uma nova trajetória de crescimento, que é o que verdadeiramente interessa ao nosso futuro, sobretudo do ponto de vista de como se “transita” do lio orçamental e de endividamento em que estamos para essa nova trajetória de crescimento. Ora, em meu modesto entender, essa discussão não pode deixar de integrar as políticas de inovação e internacionalização como algo de crucial para atingir esse desiderato, sobretudo num quadro em que o ministério da Economia parece não ter ainda encontrado o seu rumo. E foi isso que fizemos ontem em Évora numa sessão de grande elevação, passe a modéstia de ter sido o pai dos objetivos da sessão.

Não me vou alongar na sua descrição, isso fica para eventuais espaços e inspirações futuras, mas gostaria sobretudo de trazer para aqui um contributo para a discussão que o Mário Rui Silva colocou com pertinência na sessão. Ele chamou a atenção para o facto de uma nova trajetória de crescimento, com maior incorporação de conhecimento e mudança estrutural nas exportações portuguesas, ser indissociável da criação de condições para que o investimento, sobretudo o empresarial privado, retome ritmos de formação bruta de capital fixo pelo menos similares aos que eram praticados antes da derrocada iniciada em 2009. De facto, é bizantino admitir que esse esforço de mudança estrutural possa concretizar-se sem que o investimento empresarial privado retome de novo uma dinâmica de crescimento. A ideia de que a mudança estrutural é apenas concretizável com imaterialidade é pura idiotice, qualquer esforço de investigação e desenvolvimento tecnológico para se concretizar em novas abordagens de liderança de mercado exige avultado investimento e isso chama-se revitalizar a formação bruta de capital fixo. O Mário Rui Silva tem razão em afirmar que não tem visto do governo atual um discurso firme e coerente na criação de condições para que o investimento empresarial privado retome essa dinâmica, num contexto de redução de incertezas em matéria de créditos fiscais ao investimento e outras intervenções possíveis. Dizia-me alguém esta semana que os empresários estavam perplexos em terem recebido fortes estímulos ao reforço da capitalização das empresas e rapidamente esse esforço ir ser taxado em moldes pouco amigáveis. Desorientação das desorientações, será que um pouco de articulação interna na governação é pedir demasiado?

Uma nota final para uma classificação que o Sandro Mendonça trouxe entre outras coisas interessantes ao debate. Há uma distinção cada vez mais pertinente na economia e entre os economistas: de um lado a economia e os economistas “reais” e do outro a economia e os economistas “surreais”. Ontem, na mesa da sessão não havia economistas surreais e na audiência, pelas questões suscitadas, se existissem estiveram prudentemente calados.

Hoje, na conferência “Território: Casa Comum” na Fundação Cupertino Miranda, em Vila Nova de Famalicão, a convite sobretudo do Álvaro Domingues e do Nuno Travasso da FAUP, estará sobretudo em causa a interpretação e a possível intervenção sobre os territórios da urbanização extensiva. O meu olhar sobre esta realidade, revisitando territórios em que tenho trabalhado com alguma intermitência, o Ave e o Cávado, sobretudo, talvez mais o primeiro, será pouco o do planeamento urbanístico e muito mais o do economista que não pode deixar de abordar a urbanização extensiva como algo de mergulhado numa realidade mais ampla que é o do modelo de desenvolvimento económico e territorial de tradição difusa que caracteriza estes territórios. Que se transformaram e ocupar-me-ei disso essencialmente e ainda ontem, na sessão de Évora, veio à baila a Riopele, hoje líder mundial em alguns produtos têxteis de grande sofisticação tecnológica, que investe em I&D 12% do seu VAB. Sim, não é engano, 12% do VAB gerado em despesas de investigação e desenvolvimento.

E como eu acredito nas harmonias universais que me auxiliam sempre e divinamente nestas minhas intervenções, estamos a fazer 35 e 25 anos que foram publicados dois artigos fundamentais do grande Giacomo Becattini para inscrever o conceito de “distrito industrial” como unidade de análise e como modelo de produção, crucial para entender a transformação de certos territórios. Foram essas harmonias universais que me trouxeram à mão o último número do Journal of Regional Research – Investigaciones Regionales, com um artigo fundamental do Fabio Sforzi revisitando o conceito. Bastante útil para a minha intervenção de hoje à tarde.

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