(Nunca fui um
entusiasta da batalha pelo controlo público da TAP atendendo sobretudo ao universo de escolhas
públicas em que tal opção deve ser inserida e à privatização consumada da ANA e
espero que a realidade das coisas não me dê razão)
Quando declinei o convite que, não sei bem por que vias,
o António Pedro Vasconcelos me endereçou para assinar a
petição pela TAP, não estava em causa o meu desacordo para com a oportunista
decisão de última hora do governo Paf de privatizar algo que exigiria uma
discussão mais ampla e outras condições políticas. Simplesmente, entendia na
altura e continuo a entender que a tomada de posição de controlo público da TAP
não pode ser desligada das implicações que essa decisão possa vir a ter em
matéria de escolhas públicas, pois estamos em época de rigorosa avaliação das
alternativas de alocação de recursos que são cada vez mais escassos.
A opinião pública portuguesa mais interveniente nestas
matérias é surpreendentemente muito incoerente, pois não me recordo de qualquer
alarido significativo quando a ANA foi privatizada. Não estou nada convencido
de que os interesses estratégicos nacionais exijam uma companhia de bandeira,
sobretudo porque em simultâneo não vejo qualquer aposta política séria na
lusofonia, até) porque o Brasil e Angola estão cada vez mais em maus lençóis e
a resolução desses problemas não passará decisivamente pela aproximação a
Portugal, por muito que nos custe. E sobretudo porque a decisão de manter a TAP
em controlo privado ou público não se concretiza em abstrato, digamos em torno
de uma empresa modelo. Não, o que está em causa é decidir pelo controlo público
ou privado de algo imperfeito, por exemplo de uma empresa que ainda com
controlo público se deu ao luxo de entrar numa aventura desastrada de comprar
uma empresa de manutenção no Brasil (e é impossível esquecer que o gestor do
bloco central, Fernando Pinto, vejam como o Jorge Coelho o elogia
permanentemente, é também brasileiro). Para além disso, não sei sinceramente se
temos uma empresa com vícios internos demasiado enquistados para meu gosto e se
estarei disposto a abdicar de outras intervenções públicas que considero mais
importantes para ter uma companhia de bandeira. E não posso deixar de
reconhecer que uma Espanha mais poderosa e de maior dimensão já há muito tem a
“sua” companhia a pertencer a outras fontes.
As últimas divagações públicas em torno da TAP cheiram a
esturro. Em primeiro lugar, esta novidade de última hora (era interessante
perceber qual a sua génese) de associar capital chinês ao capital privado da
TAP exigiria esclarecimentos bem mais desenvolvidos, para tentarmos entender a
bondade da solução. Será que estamos a falar de uma “asiatização” de novas rotas, esperando que a profecia do Paulo Futre
de que “vão vir chineses aos magotes” se concretize?
Por outro lado, a “guerra” Rui Moreira-TAP-Aeroporto do
Porto tem muito que se lhe diga sobretudo em termos de falta de transparência
de informação. Como cidadão do Norte mas farto de regionalismo serôdio, pacóvio
e bacoco, sempre defendi que o interesse estratégico nacional é o de valorizar
plenamente os seus recursos territoriais. Ora, em praticamente todos (poucos)
exercícios territoriais estratégicos de planeamento, o aeroporto Sá Carneiro emerge
sempre como um dos mais relevantes ativos de internacionalização da Região
Norte, com elevado potencial de afirmação sem que isso signifique ausência de
complementaridade com o aeroporto de Lisboa. Neste contexto, não é nada
convincente a argumentação quantitativa em termos de resultados que a TAP
apresenta para justificar as suas opções de retirada de rotas do aeroporto do
Porto. Os números (que não conheço, esclareça-se) que Rui Moreira apresentou
recentemente dos resultados da Portugália são interessantes e cruzam
negativamente com a referida argumentação da administração da TAP. Também não
estou nada convencido que haja mercado interno suficiente para justificar uma
ponte aérea de hora a hora entre Lisboa e o Porto, a não ser com o propósito
claro de reduzir o aeroporto do Porto a um aeroporto regional e tornar fluida a
utilização de Lisboa como hub para
praticamente todas as ligações internacionais relevantes que operavam a partir
do Porto.
A questão está a azedar e para isso há razões fortes que importa
explicitar.
Primeiro, não percebi ainda que estratégia e modelo
territorial este governo tem para o país. O chamado “Noroeste”, ou região
urbana atlântica se preferirem, é ou não considerado um ativo crucial de
internacionalização e de presença proativa na globalização? Se assim for
entendido, como penso que deve ser, então o aeroporto do Porto é para ser
defendido contra estratégias de adesão a outro tipo de interesses e incorporado
no conceito estratégico territorial nacional.
Segundo, Lisboa tem que finalmente de decidir-se entre
defender a localização de um aeroporto no centro da Cidade ou levar a sério os
riscos de segurança e ambientais (arrepia-me o voo rasante dos aviões da
Portela sobre a segunda circular) que tal localização acarreta. Não quero ser
resingão, mas toda esta pressão para a concentração no hub de Lisboa cheira a argumento de força para demover finalmente
os que continuam a defender a comodidade e vantagens de ter um aeroporto no
meio da cidade e justificar um novo aeroporto. Não sei se os interesses ocultos
que se movimentavam em torno da falecida OTA não se terão movimentado para o
Montijo aguardando aí o ressarcimento redentor da falência de ganhos
potenciais. Imagino que grandes interesses se estarão aí a formar em tempos de
anemia de investimento em infraestruturas e uma estratégia em dois tempos seria
a mais adequada e menos incomodativa: enchamos primeiro a Portela, nem que seja
retirando força e crescimento ao Sá Carneiro e depois justifiquemos a nova
infraestrutura. Perfeito, não?
Terceiro, o mito do Norte como Região é cada vez mais
confrangedor e bem pode Rui Moreira empertigar-se, barafustar e até dar
caneladas que isso não oculta a falência do projeto. Uma Região que assiste
impávida e serena às diatribes de um parceiro de cooperação, Abel Caballero,
alcalde de Vigo, socialista, que viu na ligação aérea Vigo-Lisboa prometida
pela nova TAP a grande oportunidade que muitos galegos viram na cooperação com
o Norte, e que nunca quiseram verdadeiramente explicitar, que era a de
aproximar-se do mercado de Lisboa é de pasmar. Uma Região que assiste, solícita
e sempre disposta a resolver os problemas pela porta do cavalo, à degradação
lastimável do trabalho de planeamento da CCDR-N, cada vez mais casuístico e
menos transparente, mais recetivo à reivindicação pontual e menos claro do
ponto de vista das orientações estratégicas, não existe, é uma construção
mental e minha não é certamente. Uma Região que deixa vegetar às mãos de alguém
sem rasgo e liderança um projeto fundamental como o do ecossistema de inovação
do Noroeste (em torno das universidades do Minho, do Porto e de Aveiro),
oferecido de mão beijada pela Fundação Calouste Gulbenkian e por Artur Santos
Silva à Região, é algo que está mais interessado nos pequenos negócios de cada
um do que propriamente em ambição estratégica, negligenciando o que são os seus
verdadeiros ativos.
Por todas estas razões, a TAP levantou várias tampas e
todas elas cheiram a esturro.
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