(O Carnaval
produz-me esta sensação recorrente que eu acho estar cada vez mais fundamentada pelas agruras do nosso
quotidiano)
Que me perdoem os ativistas do Carnaval cá dentro, sem
Zika a importunar, em torno dos quais se aloja uma espantosa capacidade de
iniciativa, seja em Torres Vedras, em Ovar, na Mealhada, em Loulé, mais
expressivas manifestações do fenómeno, seja na mais humilde e desorganizada
segada ou arruada, seja na inocente e despreocupada atividade dos jardins de
infância, com a Margarida e o Francisco a exultarem, respetivamente, com as suas
representações e fardetas da pavoa e do polícia.
Não é nessa empenhada capacidade de iniciativa que está a
desconformidade. O ritual existe e faz parte da cronologia de todo um ano,
integra a sucessão dos ritmos sazonais que nos acompanha até ao nosso
desaparecimento. E até poderá dizer-se que há outras manifestações carnavalescas,
como por exemplo a dos Caretos de Macedo de Cavaleiros, mais ajustadas ao
imaginário popular satírico e inconveniente.
A desconformidade está na cada vez mais alargada e
abissal divergência entre a alegria irreverente do Carnaval e a tristeza
estrutural e profunda instalada entre a maioria dos portugueses, como se o
rosto de todos os dias fosse uma máscara negativa. A diáspora brasileira em
Portugal, cada vez menos expressiva, vai compondo a situação, mas para a
tristeza estrutural e profunda dos nativos já não há encenação ou ritual que a
pode esconder. É tão nítido que aqueles corpos exultantes de mulher estão fora
do seu contexto.
Ao acaso, a partir da reportagem do Jornal de Notícias,
duas imagens expressivas dessa desconformidade dão conta deste traço estrutural
profundo dos portugueses de hoje.
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