segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

DESCONFORMIDADE CULTURAL




(O Carnaval produz-me esta sensação recorrente que eu acho estar cada vez mais fundamentada pelas agruras do nosso quotidiano)


Que me perdoem os ativistas do Carnaval cá dentro, sem Zika a importunar, em torno dos quais se aloja uma espantosa capacidade de iniciativa, seja em Torres Vedras, em Ovar, na Mealhada, em Loulé, mais expressivas manifestações do fenómeno, seja na mais humilde e desorganizada segada ou arruada, seja na inocente e despreocupada atividade dos jardins de infância, com a Margarida e o Francisco a exultarem, respetivamente, com as suas representações e fardetas da pavoa e do polícia.

Não é nessa empenhada capacidade de iniciativa que está a desconformidade. O ritual existe e faz parte da cronologia de todo um ano, integra a sucessão dos ritmos sazonais que nos acompanha até ao nosso desaparecimento. E até poderá dizer-se que há outras manifestações carnavalescas, como por exemplo a dos Caretos de Macedo de Cavaleiros, mais ajustadas ao imaginário popular satírico e inconveniente.

A desconformidade está na cada vez mais alargada e abissal divergência entre a alegria irreverente do Carnaval e a tristeza estrutural e profunda instalada entre a maioria dos portugueses, como se o rosto de todos os dias fosse uma máscara negativa. A diáspora brasileira em Portugal, cada vez menos expressiva, vai compondo a situação, mas para a tristeza estrutural e profunda dos nativos já não há encenação ou ritual que a pode esconder. É tão nítido que aqueles corpos exultantes de mulher estão fora do seu contexto.


Ao acaso, a partir da reportagem do Jornal de Notícias, duas imagens expressivas dessa desconformidade dão conta deste traço estrutural profundo dos portugueses de hoje.

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