quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

CADA CAVADELA, CADA IMPARIDADE


(Em minha opinião o escavacado sistema bancário português limita-se a reproduzir as fragilidades do sistema produtivo português e sobretudo a ser o reflexo de uma alocação de recursos no passado que iremos amargar no futuro próximo)


O prejuízo de quase mil milhões de euros que o Novo Banco ontem revelou ter caracterizado o exercício de 2015 é a ponta de um iceberg que está em desmoronamento acelerado. A associação de um pretensamente banco bom depois de se ter desprendido do chamado banco mau ou tóxico a um prejuízo desta envergadura significa entre outras coisas que a regra e esquadro que delimitaram o bom do mau deveriam ser tudo menos instrumentos bem aferidos e rigorosos. Os critérios que o Banco de Portugal deve ter estabelecido para delimitar tal operação de salvamento devem ter sido extremamente laxistas, a fazer fé nos números apresentados e não há razões pelo menos aparentes para suspeitar que a gestão de Stock da Cunha seja incompetente ou danosa. As imparidades e os créditos não cobrados responsáveis por tais resultados são o reflexo de mais do que duvidosas decisões de crédito e traduzem bem o clima de racionalidade irracional que terá comandado um conjunto alargado de anos do velho e defunto BES. O capitalismo português à Ricardo Salgado e seus apaniguados e fiéis personagens da sua corte (que os havia e essa história demorará anos a ser totalmente reconstruída) é uma fiel ilustração das ambições espúrias que se terão acomodado em torno das benesses dessa corte. A ilusão de grupos empresariais de dimensão global. A eterna confusão entre modelos de exploração turística e imobiliário do mais arriscado. Diferentes expressões do capitalismo rentista mais desenfreado e de captura do Estado. Tudo isso aparece misturado na odisseia fraudulenta do BES.

O modelo de resolução preparado para a questão sai mal a prazo da forma como a cada cavadela surge mais um problema. E sai mal porque assentou numa delimitação de águas que nos foi apresentada como a base de uma solução que era o melhor dos males que poderiam ter acontecido. Mas a posteriori podemos bem pensar que a necessidade de venda do banco bom a curto prazo terá conduzido a critérios de separação de águas menos rigorosos do que deveriam ter sido estabelecidos na altura.


A opinião pública portuguesa não aprende. Vai por aí uma grande indignação com o facto de corrermos o risco de ver a economia portuguesa à mercê de uma banca espanhola mais forte sobretudo depois do resgate espanhol ter cortado a direito. Não vejo qualquer indignação quanto à fragilidade da base produtiva portuguesa, como se as duas coisas não devessem estar articuladas. Um processo de financeirização extrema que pretende justificar-se em função de si próprio, como se fosse possível desprender-se da economia real teria algum dia que dar com os burros na água. E, como não podia deixar de ser, o espectro da nacionalização teria que surgir, inevitavelmente. Porque no fundo o nosso capitalismo que se estatelou ao comprido tem sempre em última instância de se acolher sob o manto protetor do Estado e há sempre um PCP disposto a lutar por isso. Como se um banco nacionalizado não enfrentasse os mesmos constrangimentos do sistema sob o comando e regulação do BCE. Tristes tempos estes.

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