Não vou fazer
comparações espúrias entre os pós-eleições legislativas em Portugal e em Espanha
e entre a capacidade negocial de António Costa e Pedro Sánchez. Uma mínima cautela
de contextualização permitirá concluir que essa comparação é um disparate. O
que não significa ignorar, entendamo-nos, que os desfechos de todo este
processo em Portugal e em Espanha são cruciais para projetarmos o nosso futuro
coletivo numa escavacada Europa.
O partido mais
votado no 20 de dezembro, o cavernoso Partido Popular, não tem comparação possível
com a coligação PAf, sobretudo do ponto de vista da sua representação e alinhamento
com a natureza da Espanha profunda. O PP representa ainda uma certa Espanha
conservadora, arreigada nos sentimentos da Madrid centralizadora, representante
máxima e defensora da Espanha em estrela, onde tudo passa pelo centro. O PP
recolhe ainda a predileção de uma grande parte da burguesia empresarial
espanhola. Embora possa falar-se de uma situação macroeconómica que se vem
revelando favorável às pretensões de redenção do PP, não podemos esquecer a
fortíssima resistência do partido às erupções constantes da corrupção,
sobretudo no sistema financeiro e nas comunidades autónomas onde o PP tem
governado e reforçado a sua influência. Se em Portugal a cada cavadela a sua
imparidade, em Espanha a cada cavadela mais um caso de corrupção que se revela.
Uma grande parte dessas revelações já condicionou o ato eleitoral de 20 de
dezembro e apesar disso o PP aguentou-se. Desde então o PP passou por mais
revelações de corrupção larvar, a mais importante das quais é a da Comunidade
Valenciana. Mas talvez o facto político mais lesivo da figura de Rajoy seja o
efeito de demonstração que toda a imprensa espanhola viu na demissão da ex-líder
do PP em Madrid, Esperanza Aguirre, que não quis associar-se a tantas revelações
e que deixou Rajoy bastante encalacrado quando a sua posição de não demissão
foi confrontada com a de Aguirre. Um comentador muito popular em Espanha, Iñaki
Gabilondo, falava na altura de vingança fria de alguém que Rajoy julgava desativada
e que com aquela decisão encostou Rajoy às cordas. Porém, das últimas sondagens
conhecidas (anteriores a este último facto) sabe-se que o PP parece resistir a
todo este enquadramento desfavorável.
Neste contexto e
depois de toda a rábula de Rajoy para evitar a investidura que expressaria a sua
incapacidade de formar governo, o líder do PSOE Pedro Sánchez deu o peito às
balas para procurar encontrar uma fórmula de governo para propor ao Rei. O
processo tem sido sinuoso, sobretudo porque em meu entender o PODEMOS, agora
menos unido e com fissuras por todo o lado, renunciará até ao limite à
possibilidade de se comprometer com qualquer governo. O PODEMOS pode mesmo ser
considerado incompatível com qualquer solução de governação, simplesmente porque
se o fizesse isso equivaleria ao acabar do feitiço. O charme do PODEMOS vem do
seu afastamento face á governação. Qualquer processo que o aproxime tenderá a ser
tóxico. Ignazio Urquizu coloca o dedo na ferida invocando que as análises do pronunciamento
da sociedade espanhola mostram que uma parte muito considerável da população
espanhola não se vê representada no espectro partidário espanhol atual. A grande
adesão às manifestações do 15M traduziu segundo aquele sociólogo essa desconfiança
para com o espectro partidário do ponto de vista da representação dos seus interesses:
“Nos últimos anos, apenas 19% dos espanhóis admitiu que os partidos
representaram a imensa maioria da cidadania e 25% admitiu que pudessem
representar uma parte dos espanhóis”. Ora, se o PODEMOS pode ser considerado
uma remota manifestação desse movimento, então qualquer passo mal medido no
sentido de aproximação a esse espectro terá efeitos devastadores.
O acordo que Sánchez
assinou com Rivera (CIUDADANOS) (tão jovens e promissores) tem para mim o significado
de que o PSOE quis manifestar à sociedade espanhola que pode acolher uma
mensagem de combate à corrupção e de modernidade não conflitual com o mundo
empresarial. Sabemos que o CIUDADANOS tem uma posição anticorrupção mais
consistente do que a do PODEMOS. Será curto para formar governo, mas por mim
acho que toda a gente está já a comportar-se com as eleições de junho em mente.
Mas, tragédia
das tragédias, se o PP continuar a resistir à erosão da corrupção e à inabilidade
contagiante, quase congénita, de Rajoy, então as eventuais eleições de junho deixarão
tudo na mesma. E é tempo da Comissão
Europeia deixar-se do escândalo permanente de deixar a Espanha fora dos défices
excessivos.
Sem comentários:
Enviar um comentário