sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

O QUE SE VAI JOGANDO NAS ESPANHAS






Não vou fazer comparações espúrias entre os pós-eleições legislativas em Portugal e em Espanha e entre a capacidade negocial de António Costa e Pedro Sánchez. Uma mínima cautela de contextualização permitirá concluir que essa comparação é um disparate. O que não significa ignorar, entendamo-nos, que os desfechos de todo este processo em Portugal e em Espanha são cruciais para projetarmos o nosso futuro coletivo numa escavacada Europa.

O partido mais votado no 20 de dezembro, o cavernoso Partido Popular, não tem comparação possível com a coligação PAf, sobretudo do ponto de vista da sua representação e alinhamento com a natureza da Espanha profunda. O PP representa ainda uma certa Espanha conservadora, arreigada nos sentimentos da Madrid centralizadora, representante máxima e defensora da Espanha em estrela, onde tudo passa pelo centro. O PP recolhe ainda a predileção de uma grande parte da burguesia empresarial espanhola. Embora possa falar-se de uma situação macroeconómica que se vem revelando favorável às pretensões de redenção do PP, não podemos esquecer a fortíssima resistência do partido às erupções constantes da corrupção, sobretudo no sistema financeiro e nas comunidades autónomas onde o PP tem governado e reforçado a sua influência. Se em Portugal a cada cavadela a sua imparidade, em Espanha a cada cavadela mais um caso de corrupção que se revela. Uma grande parte dessas revelações já condicionou o ato eleitoral de 20 de dezembro e apesar disso o PP aguentou-se. Desde então o PP passou por mais revelações de corrupção larvar, a mais importante das quais é a da Comunidade Valenciana. Mas talvez o facto político mais lesivo da figura de Rajoy seja o efeito de demonstração que toda a imprensa espanhola viu na demissão da ex-líder do PP em Madrid, Esperanza Aguirre, que não quis associar-se a tantas revelações e que deixou Rajoy bastante encalacrado quando a sua posição de não demissão foi confrontada com a de Aguirre. Um comentador muito popular em Espanha, Iñaki Gabilondo, falava na altura de vingança fria de alguém que Rajoy julgava desativada e que com aquela decisão encostou Rajoy às cordas. Porém, das últimas sondagens conhecidas (anteriores a este último facto) sabe-se que o PP parece resistir a todo este enquadramento desfavorável.

Neste contexto e depois de toda a rábula de Rajoy para evitar a investidura que expressaria a sua incapacidade de formar governo, o líder do PSOE Pedro Sánchez deu o peito às balas para procurar encontrar uma fórmula de governo para propor ao Rei. O processo tem sido sinuoso, sobretudo porque em meu entender o PODEMOS, agora menos unido e com fissuras por todo o lado, renunciará até ao limite à possibilidade de se comprometer com qualquer governo. O PODEMOS pode mesmo ser considerado incompatível com qualquer solução de governação, simplesmente porque se o fizesse isso equivaleria ao acabar do feitiço. O charme do PODEMOS vem do seu afastamento face á governação. Qualquer processo que o aproxime tenderá a ser tóxico. Ignazio Urquizu coloca o dedo na ferida invocando que as análises do pronunciamento da sociedade espanhola mostram que uma parte muito considerável da população espanhola não se vê representada no espectro partidário espanhol atual. A grande adesão às manifestações do 15M traduziu segundo aquele sociólogo essa desconfiança para com o espectro partidário do ponto de vista da representação dos seus interesses: “Nos últimos anos, apenas 19% dos espanhóis admitiu que os partidos representaram a imensa maioria da cidadania e 25% admitiu que pudessem representar uma parte dos espanhóis”. Ora, se o PODEMOS pode ser considerado uma remota manifestação desse movimento, então qualquer passo mal medido no sentido de aproximação a esse espectro terá efeitos devastadores.

O acordo que Sánchez assinou com Rivera (CIUDADANOS) (tão jovens e promissores) tem para mim o significado de que o PSOE quis manifestar à sociedade espanhola que pode acolher uma mensagem de combate à corrupção e de modernidade não conflitual com o mundo empresarial. Sabemos que o CIUDADANOS tem uma posição anticorrupção mais consistente do que a do PODEMOS. Será curto para formar governo, mas por mim acho que toda a gente está já a comportar-se com as eleições de junho em mente.

Mas, tragédia das tragédias, se o PP continuar a resistir à erosão da corrupção e à inabilidade contagiante, quase congénita, de Rajoy, então as eventuais eleições de junho deixarão tudo na mesma.  E é tempo da Comissão Europeia deixar-se do escândalo permanente de deixar a Espanha fora dos défices excessivos.

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