sábado, 13 de fevereiro de 2016

FATORES DA NOVA TURBULÊNCIA



(Depois de no post anterior ter concluído pela complexidade das variáveis em presença na forte agitação dos mercados acionários das últimas semanas é tempo para nos focarmos em alguns dos novos fatores que explicam ou que pelo menos estão associados à referida turbulência)


Se considerarmos que tudo isto poderia ser associado a um jogo de estratégia entre vários atores, então a decisão do FED – USA do fim do ano passado equivaleria a um primeiro passo estratégico. E uma primeira perceção é a de que a decisão do banco central americano não esgotaria os seus efeitos na economia americana, antes suscitaria uma significativa interdependência. Rapidamente se percebeu que num contexto de livre circulação de capitais, e é necessário compreender quão crítica é a manutenção desta liberdade em situações de turbulência mundial, tal decisão seria crítica do ponto de vista das economias emergentes que seriam atingidas por movimentos provavelmente abruptos de saída de capitais em busca de ativos denominados em dólares. Até aqui aparentemente nada de novo, pressupondo que estamos a falar de países que reportam a esse princípio de liberdade de circulação do capital. A novidade está em que um trio de economistas (Yin-Wong Cheung, Universidade de Hong Kong; Sven Steinjamp, Universidade de Osnabrϋck e Frank Westermann, Universidade de Osnabrϋck) mostrou recentemente que essa interdependência não operava apenas com países emergentes com liberdade de circulação de capital. Os autores reúnem evidência de também economias com gestão administrada de circulação de capitais a nível internacional experimentam também essa interdependência. Como não podia deixar de ser é da China que estamos a falar. Trabalhando sobre uma medida indireta e composta dos fluxos de capitais digamos clandestinos, capturados pelo confronto entre usos e fundos registados nas balanças de pagamentos dos países e por processos de sobre e subfacturação, os autores concluem por uma significativa saída de capital clandestina a partir da China. E o que é mais curioso é que concluem que tais movimentos não são essencialmente explicados pela chamada paridade das taxas de juro entre os dois países, a qual é influenciada pela diferença absoluta de taxas e pela depreciação ou apreciação das duas moedas. Um fator explicativo que emerge é o comportamento relativo da oferta de moeda nos EUA em relação a idêntica variável na China. As duas outras variáveis que emergem como fatores relevantes são as expectativas dos investidores quanto à real capacidade das autoridades chinesas se comprometerem com a liberdade de circulação de capital e com o controlo da volatilidade dos mercados.

Significa isto que não nos devemos admirar que à jogada inicial do FED – USA se sucedam outras jogadas de resposta, pois com a interdependência atrás analisada e sem uma governação mundial concertada e assumida não pode deixar de haver reações de outras partes.

Surge assim um ambiente complexo, pois a decisão inicial do FED produz efeitos não apenas na economia americana e esses mesmos efeitos acompanhados das reações inevitáveis de política que provocam podem obrigar o FED a rever decisões na perspetiva de afinar a sua intervenção sobre a economia americana.

É neste contexto que chegamos a um outro fator novo na turbulência atual, a prática das taxas de juro negativas. Quando falamos de taxas negativas, estamos a falar de taxas de depósito overnight nos bancos centrais dos excessos de liquidez apresentada pelos bancos, hoje já praticadas pelo BCE e pelos bancos centrais da Suiça, do Japão, da Suécia e da Dinamarca. Estas taxas são uma espécie de limite inferior à taxa a que os bancos podem emprestar dinheiro a outros bancos. Já a taxa a que o banco central fornece fundos overnight a bancos necessitados de liquidez é uma espécie de teto superior à taxa a que os bancos podem pedir emprestado a outros bancos. Não admira, por isso, que as taxas de juro a curto prazo, por exemplo a Euribor a 3 meses evolua normalmente entre este teto e este limite inferior.

Vários economistas têm-se pronunciado não só sobre a necessidade do FED inverter a sua política e suspender a sua decisão de desenhar uma trajetória de subidas graduais. Chegam mesmo a recomendar a entrada no domínio estranho das taxas negativas. Narayana Kocherlakota, antigo membro do FOMC em representação do Banco Federal de Minneapolis, e agora professor da Universidade de Rochester tem-se destacado nessa recomendação. A sua argumentação é curiosa. Segundo ele, os EUA usufruem de uma vantagem incalculável: há uma multidão de indivíduos e investidores interessados em comprar e possuir dívida emitida pelo governo americano. Neste contexto, os EUA têm uma oportunidade única de melhorar substancialmente as suas condições infraestruturais e de vida dos seus cidadãos endividando-se a uma baixíssima taxa natural de juro.

O problema é que a política das taxas negativas não está a ser totalmente digerida pela banca comercial. Tem-se registado uma enorme relutância da banca em repercutir para os seus depositantes o ónus da taxa negativa, obrigando estes a pagar uma tarifa qualquer por depositar fundos e não os reter em casa sob a forma de dinheiro vivo. Compreende-se bem a razão dessa relutância. E também se compreenda que alguns investidores associem essa relutância a uma quebra futura da rendibilidade dos bancos, afetando naturalmente a cotação das suas ações. Vamos entrar provavelmente num domínio de grande mistério que será a criação de contas-cash que evitem por parte dos bancos os seus depósitos de fundos em excesso nos bancos centrais às tais taxas negativas. Poderemos assim estar na antecâmara de uma fase bem estranha, na qual as famílias desenvolvem formas criativas de parquear fundos e os bancos outro tipo de criatividade para contornar depósitos overnight nos bancos centrais.

Por todas estas razões, parece-me que os economistas que situam a complexidade da turbulência atual em aspetos de natureza mais estrutural são mais avisados do que aqueles que teimam em admitir que 2007-2008 e seus prolongamentos foram uma simples recessão, mesmo que aceitem chamar-lhe uma grande recessão.

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