(Depois de no post
anterior ter concluído pela complexidade das variáveis em presença na forte agitação
dos mercados acionários das últimas semanas é tempo para nos focarmos em alguns dos novos fatores que explicam ou
que pelo menos estão associados à referida turbulência)
Se considerarmos que tudo isto poderia ser associado a um
jogo de estratégia entre vários atores, então a decisão do FED – USA do fim do
ano passado equivaleria a um primeiro passo estratégico. E uma primeira perceção
é a de que a decisão do banco central americano não esgotaria os seus efeitos
na economia americana, antes suscitaria uma significativa interdependência. Rapidamente
se percebeu que num contexto de livre circulação de capitais, e é necessário
compreender quão crítica é a manutenção desta liberdade em situações de turbulência
mundial, tal decisão seria crítica do ponto de vista das economias emergentes
que seriam atingidas por movimentos provavelmente abruptos de saída de capitais
em busca de ativos denominados em dólares. Até aqui aparentemente nada de novo,
pressupondo que estamos a falar de países que reportam a esse princípio de
liberdade de circulação do capital. A novidade está em que um trio de
economistas (Yin-Wong Cheung, Universidade de Hong Kong; Sven Steinjamp, Universidade
de Osnabrϋck e Frank Westermann, Universidade de Osnabrϋck) mostrou recentemente
que essa interdependência não operava apenas com países emergentes com liberdade
de circulação de capital. Os autores reúnem evidência de também economias com
gestão administrada de circulação de capitais a nível internacional
experimentam também essa interdependência. Como não podia deixar de ser é da
China que estamos a falar. Trabalhando sobre uma medida indireta e composta dos
fluxos de capitais digamos clandestinos, capturados pelo confronto entre usos e
fundos registados nas balanças de pagamentos dos países e por processos de
sobre e subfacturação, os autores concluem por uma significativa saída de capital
clandestina a partir da China. E o que é mais curioso é que concluem que tais
movimentos não são essencialmente explicados pela chamada paridade das taxas de
juro entre os dois países, a qual é influenciada pela diferença absoluta de
taxas e pela depreciação ou apreciação das duas moedas. Um fator explicativo
que emerge é o comportamento relativo da oferta de moeda nos EUA em relação a
idêntica variável na China. As duas outras variáveis que emergem como fatores
relevantes são as expectativas dos investidores quanto à real capacidade das
autoridades chinesas se comprometerem com a liberdade de circulação de capital
e com o controlo da volatilidade dos mercados.
Significa isto que não nos devemos admirar que à jogada inicial
do FED – USA se sucedam outras jogadas de resposta, pois com a interdependência
atrás analisada e sem uma governação mundial concertada e assumida não pode deixar
de haver reações de outras partes.
Surge assim um ambiente complexo, pois a decisão inicial
do FED produz efeitos não apenas na economia americana e esses mesmos efeitos
acompanhados das reações inevitáveis de política que provocam podem obrigar o
FED a rever decisões na perspetiva de afinar a sua intervenção sobre a economia
americana.
É neste contexto que chegamos a um outro fator novo na
turbulência atual, a prática das taxas de juro negativas. Quando falamos de
taxas negativas, estamos a falar de taxas de depósito overnight nos bancos centrais dos excessos de liquidez apresentada
pelos bancos, hoje já praticadas pelo BCE e pelos bancos centrais da Suiça, do
Japão, da Suécia e da Dinamarca. Estas taxas são uma espécie de limite inferior
à taxa a que os bancos podem emprestar dinheiro a outros bancos. Já a taxa a
que o banco central fornece fundos overnight
a bancos necessitados de liquidez é uma espécie de teto superior à taxa a que
os bancos podem pedir emprestado a outros bancos. Não admira, por isso, que as taxas
de juro a curto prazo, por exemplo a Euribor a 3 meses evolua normalmente entre
este teto e este limite inferior.
Vários economistas têm-se pronunciado não só sobre a
necessidade do FED inverter a sua política e suspender a sua decisão de
desenhar uma trajetória de subidas graduais. Chegam mesmo a recomendar a entrada
no domínio estranho das taxas negativas. Narayana Kocherlakota, antigo membro
do FOMC em representação do Banco Federal de Minneapolis, e agora professor da
Universidade de Rochester tem-se destacado nessa recomendação. A sua argumentação
é curiosa. Segundo ele, os EUA usufruem de uma vantagem incalculável: há uma
multidão de indivíduos e investidores interessados em comprar e possuir dívida emitida
pelo governo americano. Neste contexto, os EUA têm uma oportunidade única de melhorar
substancialmente as suas condições infraestruturais e de vida dos seus cidadãos
endividando-se a uma baixíssima taxa natural de juro.
O problema é que a política das taxas negativas não está
a ser totalmente digerida pela banca comercial. Tem-se registado uma enorme relutância
da banca em repercutir para os seus depositantes o ónus da taxa negativa,
obrigando estes a pagar uma tarifa qualquer por depositar fundos e não os reter
em casa sob a forma de dinheiro vivo. Compreende-se bem a razão dessa relutância.
E também se compreenda que alguns investidores associem essa relutância a uma
quebra futura da rendibilidade dos bancos, afetando naturalmente a cotação das
suas ações. Vamos entrar provavelmente num domínio de grande mistério que será
a criação de contas-cash que evitem por parte dos bancos os seus depósitos de
fundos em excesso nos bancos centrais às tais taxas negativas. Poderemos assim estar
na antecâmara de uma fase bem estranha, na qual as famílias desenvolvem formas
criativas de parquear fundos e os bancos outro tipo de criatividade para
contornar depósitos overnight nos
bancos centrais.
Por todas estas razões, parece-me que os economistas que
situam a complexidade da turbulência atual em aspetos de natureza mais
estrutural são mais avisados do que aqueles que teimam em admitir que 2007-2008
e seus prolongamentos foram uma simples recessão, mesmo que aceitem chamar-lhe
uma grande recessão.
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