sábado, 27 de fevereiro de 2016

UMA CURIOSA HISTORIETA PESSOAL


O nome Azoulay dizia-me alguma coisa mas confesso que só depois de ler a sua biografia no “Le Monde” e de consultar os meus canhenhos pessoais é que realizei do que se tratava. Pois Audrey Azoulay, a recém-nomeada ministra francesa da Cultura e próxima de Hollande, é uma das três filhas de André Azoulay, personagem algo enigmática com quem me cruzei em Rabat quando desempenhei funções governativas no final do século passado e lá me desloquei a convite do então ministro do Comércio, Indústria e Artesanato Driss Jettou (mais tarde primeiro-ministro e hoje presidente do Tribunal de Contas). 

Após uma rápida investigação, reavivei a memória sobre o pai Azoulay, um judeu marroquino de nacionalidade francesa que, após uma carreira profissional em França (especialmente no Paribas), foi nomeado em 1991 conselheiro particular para os assuntos económicos e financeiros do então rei de Marrocos Hassan II e por perto se foi mantendo, embora menos influente, com o atual rei Maomé VI.

Contextualizando, cito um texto sobre o “renascimento económico” daqueles anos: “Nesse início dos anos 1990, e paralelamente às suas negociações políticas, Hassan II tem de gerir uma outra urgência, essa económica. Anos de luta política acabaram por mergulhar a economia do país no caos. Para o combater, Hassan II apela aos tecnocratas. Industriais, engenheiros e homens de negócios fazem então a sua entrada no governo pilotado por Karim Lamrani em novembro de 1993. O casting é impressionante.” E é sobre o mesmo tema que assim se refere o então ministro encarregado do dossiê das privatizações: “nós não éramos gastadores, nem viciados nos privilégios do lugar”; “nós éramos vários ministros a residir em Casablanca [‘la bande de Casa’], enquanto os nossos motoristas viviam em Rabat e decidimos fazer partilha de carros a três ou quatro, de modo a que os nossos motoristas respetivos nos apanhassem à entrada da capital”; “Driss Jettou tinha alugado uma pequena villa que nós transformamos em cantina [através de uma cotização para adjudicação dos serviços de um cozinheiro]. Membros do governo e mesmo certos conselheiros reais desfilavam por lá. De vez em quando, recebíamos lá também alguns grandes investidores encantados com o caráter colegial do novo governo.”

Pois foi na “Cantina” que encontrei André Azoulay, no final de um almoço com Jettou e outros governantes locais e em que participaram também um administrador do ICEP e o embaixador português António Valente. Das minhas notas constam um “muito fino” e um “este homem manda”, além da sua sugestão de que não deixasse de ir visitar o magnífico Palácio Tazi (o que fiz) e dos tópicos que ele me quis soprar ao jeito de trabalho para casa: um eventual apoio na conceção, gestão e comercialização de uma rede de pousadas assente em património histórico-cultural disseminado pelo país (um pouco na linha do projeto das nossas Pousadas de Portugal que a Enatur tinha concebido e que depois Pina Moura não descansou enquanto não estragou), a oportunidade de um pequeno fundo de capital de risco para suportar o fortalecimento do tecido local de pequenas empresas industriais, o interesse numa presença bancária e financeira (via privatizações e em termos de banca de investimentos), o estudo de uma linha de transporte marítimo entre Casablanca e Faro e a participação (pelo menos em termos institucionais, via IPPAR nomeadamente, e contando com um desejável interessamento da nossa Gulbenkian) numa Fundação Atlântico (assente nos 3000 quilómetros marroquinos de costa). Os tempos eram outros e mudaram rápido, mas que eu saiba nada disto acabou por ser feito. Não obstante, aquela visita foi uma experiência e Azoulay foi dela parte marcante – mesmo que hoje tenha de reconhecer com frontalidade que também não seria nada desinteressante conhecer Audrey...

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