(Agora que a
encomenda da Amazon UK já vem a caminho e que uma mão amiga me fez chegar uma
versão digital sobre a qual não tenho problemas de consciência pois já paguei a
versão em papel, é altura
de me fixar em algumas recensões, enriquecendo a reflexão sobre o tema)
No post anterior alertei para uma previsão minha que tudo
indica irá ser confirmada. A obra de Robert J. Gordon, “The
Rise and the Fall of Economic Growth” (Princeton University Press) constituirá estou certo um auxiliar
precioso para compreendermos a economia mundial que teremos nos próximos
tempos. Nas condições atuais, o comportamento futuro da economia americana não
nos pode ser indiferente. E, mesmo que a inovação não vá deixar de ser um
fenómeno indeterminado, tornando plausível que as mais fundamentadas previsões
possam ser arrasadas pelo confronto com a realidade futura, o confronto do
agora pessimismo tecnológico com o tecno-otimismo que grassa por aí pode
proporcionar uma outra compreensão a outros constrangimentos como o da
desigualdade crescente, a desaceleração das qualificações, a estagnação dos
salários, a questão demográfica, enfim, tudo nuvens negras no horizonte.
É altura por isso de integrar nesta reflexão algumas
recensões críticas da obra, que vêm trazer ao tema novos cambiantes e até
algumas inesperadas perspetivas, como acontece sobretudo com a recensão de
Tyler Cowen na institucionalmente prestigiada Foreign Affairs.
Mas comecemos pela recensão de Krugman no New York Times,
por isso a que terá certamente uma maior audiência, já sugerida no post
anterior apenas pela sugestão visual de um Super-Homem algo manco e alquebrado.
A recensão de Krugman é bastante favorável à obra de
Gordon. Não devemos esquecer a célebre afirmação de Krugman manifestando a sua
saudável inveja por Lawrence Summers ter cunhado com tanto êxito mediático a
designação de estagnação secular (que não é original como se sabe), pois
antecipou com essa designação algo que o próprio Krugman tinha simplesmente
intuído ou formalizado apenas algumas das suas dimensões. Curiosamente, o
economista americano começa a recensão por relembrar o êxito mediático passado
de alguma futurologia tecnológica (quem não se lembra dos escritos de Herman
Kahn e até do casal Tofler). Hoje, essa futurologia, ainda que persista em
algumas revistas tecnológicas especializadas, perdeu muito do seu fulgor até
porque compreensivelmente muita revelou-se infundada e não observada.
Krugman pega no contributo de Gordon pelo que é simultaneamente
mais sugestivo e mais difícil de medir. Na prática, o que Gordon nos diz é que
se tomarmos 1970 como padrão intermédio, a nossa revolução de bem-estar social,
familiar e individual de hoje quando comparada com a de 1970 é menos
significativa do que a observada em 1970 face ao que os nossos antepassados
dispunham por exemplo nos fins do século XIX. Ou seja, as cinco grandes
invenções do passado e a sua transformação em inovação económica, eletricidade,
sanidade urbana, químicos e farmacêutica, motor de combustão interna e
comunicações modernas, terão revolucionado mais a organização social e pessoal
do que a revolução digital, mesmo após a era internet e motores de busca. Da
minha olhadela inicial pela versão digital, sobressai um aspeto que me agrada
fundamentalmente e que corresponde a uma tradição perdida pela grande
generalidade dos economistas. Gordon combina numa obra obviamente pesada por
essa razão a incorporação de elementos do quotidiano com estatísticas
rigorosas, explorando múltiplas evidências empíricas. Mas não deixa de se
tratar de matéria à qual não é fácil associar uma métrica sem controvérsias.
Como valorar o bem-estar social, familiar e individual resultante das duas
grandes famílias de invenções economicamente transformadas em ondas de
inovação, sobretudo num contexto em que os indivíduos que experimentaram as
duas transformações não são os mesmos?
A vingar a posição de Gordon relativamente às grandes
invenções do passado, estaria em causa a interpretação do tempo longo como uma
sucessão de paradigmas técnico-económicos que não se distinguiriam em
intensidade de mudanças disruptivas, antes se notabilizando por todas terem
impactado não só a economia mas também a própria organização social e do Estado
(teses de Christopher Freeman e de Carlota Pérez, escola à qual Francisco Louça
costuma ser associado como estudioso do tempo longo). Como já referi no último
post, este tópico é crítico mas não o mais crítico. A questão mais delicada é
como podemos antecipar os efeitos disruptivos de coisas que estão a milhas de
atingir a sua maior intensidade como a inteligência artificial e a engenharia
genética. A história do progresso científico e tecnológico diz-nos que o
impacto económico do primeiro em ondas de choque de inovação não é
frequentemente o resultado de superioridades intrínsecas no plano científico e
tecnológico, mas o resultado de algumas bifurcações em que a decisão num dado
sentido acaba por produzir trajetórias vencedoras. Um apoio de política pública
que precipitou a comparação, a criatividade de produção de qualificações
complementares, a intuição empresarial tudo pode facilitar ou bloquear a mudança
e a inovação. Quem diria que um boneco de traço simples mas expressivo como o
Rato Mickey faria as nossas delícias, dos nossos filhos e sossegaria agora os
nossos netos quando é necessário alguma calma retemperadora no fungagá da
bicharada?
O que sabemos para já é que se a tese da desaceleração
tecnológica proposta por Gordon se verificar então teremos que pensar em mudar
de vida, pois os outros aspetos ameaçadores, desigualdade crescente,
envelhecimento e paragem na melhoria das qualificações estão aí, redobrando a
sua importância.
Ou seja, mesmo que a nossa funcionária diária possa ser
substituída por um robot mais ou menos irritante que nos avise que não devemos
atirar migalhas para o chão ou pôr os pés em cima da mesa, teremos de repensar
as nossas esperanças no futuro.
A recensão de Tyler Cowen no Foreign Affairs vai no mesmo sentido, apenas com a divertida alusão
ao facto de em 2003 Robert J. Gordon ter publicado no Brooking Papers um artigo “Exploding
Productivity Growth” (que constava dos meus arquivos, mas ignorado) no qual
chamava a atenção para a explosão do crescimento económico na economia
americana, com previsões animadoras para o crescimento das duas próximas
décadas. O que nos transporta para a necessidade de compreender as razões de
mudança tão radical no pensamento do próprio Gordon. Curiosamente, um ano
depois desse artigo ser publicado, em 2004, começa o período em que a
produtividade total dos fatores parece revelar o esgotamento da revolução
internet e motores e busca. Gordon não refere esse artigo, mas parece ter sido
o confronto com uma inversão de situação que terá cavado o início do pessimismo
tecnológico do autor.
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