segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

ALGUMAS RECENSÕES DA OBRA DE ROBERT J. GORDON




(Agora que a encomenda da Amazon UK já vem a caminho e que uma mão amiga me fez chegar uma versão digital sobre a qual não tenho problemas de consciência pois já paguei a versão em papel, é altura de me fixar em algumas recensões, enriquecendo a reflexão sobre o tema)

No post anterior alertei para uma previsão minha que tudo indica irá ser confirmada. A obra de Robert J. Gordon, “The Rise and the Fall of Economic Growth” (Princeton University Press) constituirá estou certo um auxiliar precioso para compreendermos a economia mundial que teremos nos próximos tempos. Nas condições atuais, o comportamento futuro da economia americana não nos pode ser indiferente. E, mesmo que a inovação não vá deixar de ser um fenómeno indeterminado, tornando plausível que as mais fundamentadas previsões possam ser arrasadas pelo confronto com a realidade futura, o confronto do agora pessimismo tecnológico com o tecno-otimismo que grassa por aí pode proporcionar uma outra compreensão a outros constrangimentos como o da desigualdade crescente, a desaceleração das qualificações, a estagnação dos salários, a questão demográfica, enfim, tudo nuvens negras no horizonte.

É altura por isso de integrar nesta reflexão algumas recensões críticas da obra, que vêm trazer ao tema novos cambiantes e até algumas inesperadas perspetivas, como acontece sobretudo com a recensão de Tyler Cowen na institucionalmente prestigiada Foreign Affairs.

Mas comecemos pela recensão de Krugman no New York Times, por isso a que terá certamente uma maior audiência, já sugerida no post anterior apenas pela sugestão visual de um Super-Homem algo manco e alquebrado.

A recensão de Krugman é bastante favorável à obra de Gordon. Não devemos esquecer a célebre afirmação de Krugman manifestando a sua saudável inveja por Lawrence Summers ter cunhado com tanto êxito mediático a designação de estagnação secular (que não é original como se sabe), pois antecipou com essa designação algo que o próprio Krugman tinha simplesmente intuído ou formalizado apenas algumas das suas dimensões. Curiosamente, o economista americano começa a recensão por relembrar o êxito mediático passado de alguma futurologia tecnológica (quem não se lembra dos escritos de Herman Kahn e até do casal Tofler). Hoje, essa futurologia, ainda que persista em algumas revistas tecnológicas especializadas, perdeu muito do seu fulgor até porque compreensivelmente muita revelou-se infundada e não observada.

Krugman pega no contributo de Gordon pelo que é simultaneamente mais sugestivo e mais difícil de medir. Na prática, o que Gordon nos diz é que se tomarmos 1970 como padrão intermédio, a nossa revolução de bem-estar social, familiar e individual de hoje quando comparada com a de 1970 é menos significativa do que a observada em 1970 face ao que os nossos antepassados dispunham por exemplo nos fins do século XIX. Ou seja, as cinco grandes invenções do passado e a sua transformação em inovação económica, eletricidade, sanidade urbana, químicos e farmacêutica, motor de combustão interna e comunicações modernas, terão revolucionado mais a organização social e pessoal do que a revolução digital, mesmo após a era internet e motores de busca. Da minha olhadela inicial pela versão digital, sobressai um aspeto que me agrada fundamentalmente e que corresponde a uma tradição perdida pela grande generalidade dos economistas. Gordon combina numa obra obviamente pesada por essa razão a incorporação de elementos do quotidiano com estatísticas rigorosas, explorando múltiplas evidências empíricas. Mas não deixa de se tratar de matéria à qual não é fácil associar uma métrica sem controvérsias. Como valorar o bem-estar social, familiar e individual resultante das duas grandes famílias de invenções economicamente transformadas em ondas de inovação, sobretudo num contexto em que os indivíduos que experimentaram as duas transformações não são os mesmos?

A vingar a posição de Gordon relativamente às grandes invenções do passado, estaria em causa a interpretação do tempo longo como uma sucessão de paradigmas técnico-económicos que não se distinguiriam em intensidade de mudanças disruptivas, antes se notabilizando por todas terem impactado não só a economia mas também a própria organização social e do Estado (teses de Christopher Freeman e de Carlota Pérez, escola à qual Francisco Louça costuma ser associado como estudioso do tempo longo). Como já referi no último post, este tópico é crítico mas não o mais crítico. A questão mais delicada é como podemos antecipar os efeitos disruptivos de coisas que estão a milhas de atingir a sua maior intensidade como a inteligência artificial e a engenharia genética. A história do progresso científico e tecnológico diz-nos que o impacto económico do primeiro em ondas de choque de inovação não é frequentemente o resultado de superioridades intrínsecas no plano científico e tecnológico, mas o resultado de algumas bifurcações em que a decisão num dado sentido acaba por produzir trajetórias vencedoras. Um apoio de política pública que precipitou a comparação, a criatividade de produção de qualificações complementares, a intuição empresarial tudo pode facilitar ou bloquear a mudança e a inovação. Quem diria que um boneco de traço simples mas expressivo como o Rato Mickey faria as nossas delícias, dos nossos filhos e sossegaria agora os nossos netos quando é necessário alguma calma retemperadora no fungagá da bicharada?

O que sabemos para já é que se a tese da desaceleração tecnológica proposta por Gordon se verificar então teremos que pensar em mudar de vida, pois os outros aspetos ameaçadores, desigualdade crescente, envelhecimento e paragem na melhoria das qualificações estão aí, redobrando a sua importância.

Ou seja, mesmo que a nossa funcionária diária possa ser substituída por um robot mais ou menos irritante que nos avise que não devemos atirar migalhas para o chão ou pôr os pés em cima da mesa, teremos de repensar as nossas esperanças no futuro.

A recensão de Tyler Cowen no Foreign Affairs vai no mesmo sentido, apenas com a divertida alusão ao facto de em 2003 Robert J. Gordon ter publicado no Brooking Papers um artigo “Exploding Productivity Growth” (que constava dos meus arquivos, mas ignorado) no qual chamava a atenção para a explosão do crescimento económico na economia americana, com previsões animadoras para o crescimento das duas próximas décadas. O que nos transporta para a necessidade de compreender as razões de mudança tão radical no pensamento do próprio Gordon. Curiosamente, um ano depois desse artigo ser publicado, em 2004, começa o período em que a produtividade total dos fatores parece revelar o esgotamento da revolução internet e motores e busca. Gordon não refere esse artigo, mas parece ter sido o confronto com uma inversão de situação que terá cavado o início do pessimismo tecnológico do autor.

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