(Não sei se a velha
guarda do ICS irá ou não remoer-se de inveja, talvez não, talvez deprecie ou se
refugie no escárnio da indiferença, mas seja-se ou não um seguidor de Boaventura Sousa Santos não se pode
ficar indiferente à sua notoriedade nos movimentos antiglobalização)
Com quase três meses de desfasamento face à data do
evento, neste caso a Conferência Latino-Americana de Ciências Sociais – a conhecidíssima
CLACSO, um prodígio de iniciativa do seu secretário-geral, o argentino Pablo
Gentili, realizada em Meddellin o El País de 8 de fevereiro dedica uma longa e
relevante entrevista a Boaventura Sousa Santos, hoje com 76 anos, e à sua notoriedade
como intelectual e ativista dos movimentos da antiglobalização. BSS é
apresentado pela jornalista do El País como “cientista, analista social, teórico
do Sul e da transformação social”. E o próprio BSS parece aguentar bem o tom de
estrelato que a entrevistadora procura colar ao seu entrevistado, retorquindo
ironicamente porque é que no Sul, designadamente em Portugal, não poderá haver estrelato
como nos países do Norte. O tom da entrevista encaixa como uma luva na ideia
central de BSS de que não haverá justiça global sem justiça cognitiva também
global. Por isso, o seu trabalho com os movimentos sociais mais descentralizados
o transporta para uma audiência que imagino a CLACSO reforça na sua perspetiva de
assegurar visibilidade global aos mais oprimidos e à inovação e criatividade
que a dependência por vezes estimula. Largamente respaldado pelo gigantesco projeto
de investigação plurianual que o European Research Council lhe outorgou, BSS
tem hoje uma audiência global fundamentalmente interessada na desconstrução do pensamento
único, na descolonização do conhecimento (expressão de BSS) e na construção de
aprendizagens profundas com outras culturas, sobretudo as mais oprimidas pela
globalização.
Na perspetiva que mais me interessa, BSS está no que poderíamos
designar de desconstrução final do ocidentrismo, processo que se inicia nos fins
dos anos 60 com a violenta denúncia da ideia de que o Ocidente podia ser o
centro do mundo e decretar receitas para todos, algo que coincide com a
profunda crise de valores que o Maio de 1968 representou. Curiosamente, essa
ofensiva de denúncia então iniciada haveria de perder força e sujeitar-se nos
anos 80 e primeira metade dos 90 a uma nova ideologia de pensamento único que o
consenso de Washington quis plasmar no plano económico. Nunca a desconstrução
do ocidentrismo e o apelo à compreensão do outro, aprendendo com ele e com a
sua criatividade, atingiu a notoriedade que a obra de BSS hoje assume entre os
movimentos internacionais hoje mais imaginativos que o dealbar do pensamento do
movimento dos não-alinhados chegou a assumir.
Não sendo propriamente um seguidor do pensamento de BSS,
algo que só considero possível a quem tenha uma trajetória de mergulho na
complexidade e diversidade dos movimentos sociais antiglobalização, isso não é
motivo para ignorar displicentemente a importância dessa proeza ter sido conseguida
por um investigador português. O que nas condições em que se faz investigação
em Portugal só pode ser obra de alguém com uma força de convencimento e de rotura
com o estabelecido inexcedível. Doa a quem doer mesmo aos mais incomodados.
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