( O tal que não queria ser como Portugal)
Os resultados
das eleições na Irlanda eram a chave que faltava para fechar o puzzle das consequências políticas de
governabilidade ditadas pelos processos de resgate financeiro realizados sob o
lema “só se conquista a confiança dos mercados consolidando a qualquer preço as
contas públicas”. O primeiro-ministro Enda Kenny bem se esforçou para apontar
Portugal como aquilo que não queriam ser para tentar demover os eleitores
irlandeses e convencê-los a ter memória curta e a esquecer as privações que
lhes foram infligidas. Mas não. De nada valeu mais essa prova da “solidariedade
ao rubro” em que a Europa está mergulhada, fazendo com que por exemplo Wolfgang
Mϋnchau não hesite em colocá-la em trajetória acelerada de desintegração. A
coligação no poder terá perdido mais de 15 pontos percentuais em termos de peso
eleitoral e ainda não estão confirmados os resultados e já se fala em novas
eleições.
Os resultados na
Irlanda eram a chave que faltava porque nenhuma das economias objeto da receita
europeia apresentava o potencial estrutural de exportação que as políticas de
austeridade necessitam para compensar os efeitos recessivos que provocam. A
Irlanda dispõe de uma intensidade de capital estrangeiro orientado para a exportação
que pode contribuir para um forte arranque de efeitos a curto prazo quando as
coisas começam a entrar na normalidade. Assim aconteceu e o ritmo de
crescimento já alcançado pela economia irlandesa parece confirmar esse
resultado esperado. Mas o problema não é esse. O problema principal está no
modo como são distribuídos os custos sociais e efeitos penalizadores.
Os senhores de
Bruxelas tardam em compreender que o seu modelo de recuperação da confiança dos
mercados não opera no vazio democrático. Antes pelo contrário, dependem desse
quadro e a sua exequibilidade tem entre outros elementos de verificação a governabilidade
nos períodos de pós-resgate.
Ora, neste capítulo,
a receita europeia tem falhado redondamente. Ou têm de aceitar que novas
alternativas de governação se perfilem a contragosto de tais orientações. Ou
então tendem a gerar processos largamente indeterminados de constituição de maiorias
parlamentares. Tudo isto conta a débito de tais receitas. A estabilização macroeconómica
não é um processo abstrato. Mexe com pessoas, vidas concretas, afeta as relações
de desigualdade, agravando-as. E tudo isso se paga nos momentos eleitorais.
Fazer de conta que esses efeitos não contam é uma pura mistificação da
democracia.
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