domingo, 28 de fevereiro de 2016

A SAGA CONTINUA: A IRLANDA

( O tal que não queria ser como Portugal)





Os resultados das eleições na Irlanda eram a chave que faltava para fechar o puzzle das consequências políticas de governabilidade ditadas pelos processos de resgate financeiro realizados sob o lema “só se conquista a confiança dos mercados consolidando a qualquer preço as contas públicas”. O primeiro-ministro Enda Kenny bem se esforçou para apontar Portugal como aquilo que não queriam ser para tentar demover os eleitores irlandeses e convencê-los a ter memória curta e a esquecer as privações que lhes foram infligidas. Mas não. De nada valeu mais essa prova da “solidariedade ao rubro” em que a Europa está mergulhada, fazendo com que por exemplo Wolfgang Mϋnchau não hesite em colocá-la em trajetória acelerada de desintegração. A coligação no poder terá perdido mais de 15 pontos percentuais em termos de peso eleitoral e ainda não estão confirmados os resultados e já se fala em novas eleições.

Os resultados na Irlanda eram a chave que faltava porque nenhuma das economias objeto da receita europeia apresentava o potencial estrutural de exportação que as políticas de austeridade necessitam para compensar os efeitos recessivos que provocam. A Irlanda dispõe de uma intensidade de capital estrangeiro orientado para a exportação que pode contribuir para um forte arranque de efeitos a curto prazo quando as coisas começam a entrar na normalidade. Assim aconteceu e o ritmo de crescimento já alcançado pela economia irlandesa parece confirmar esse resultado esperado. Mas o problema não é esse. O problema principal está no modo como são distribuídos os custos sociais e efeitos penalizadores.

Os senhores de Bruxelas tardam em compreender que o seu modelo de recuperação da confiança dos mercados não opera no vazio democrático. Antes pelo contrário, dependem desse quadro e a sua exequibilidade tem entre outros elementos de verificação a governabilidade nos períodos de pós-resgate.

Ora, neste capítulo, a receita europeia tem falhado redondamente. Ou têm de aceitar que novas alternativas de governação se perfilem a contragosto de tais orientações. Ou então tendem a gerar processos largamente indeterminados de constituição de maiorias parlamentares. Tudo isto conta a débito de tais receitas. A estabilização macroeconómica não é um processo abstrato. Mexe com pessoas, vidas concretas, afeta as relações de desigualdade, agravando-as. E tudo isso se paga nos momentos eleitorais. Fazer de conta que esses efeitos não contam é uma pura mistificação da democracia.

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