(Uma simples analogia mecânica
para sintetizar as agruras
proféticas sobre o crescimento europeu)
Sempre fui um ignorante das questões de mecânica automóvel,
talvez de toda a mecânica, para ser mais rigoroso. Por isso ficava pasmado
quando alguém diante de uma anomalia numa viatura a decifrava sem dificuldade.
E recordo-me de muitos pronunciando firmes o veredicto de que tudo se devia ao
mau estado das bielas. Na minha ignorância e trocando os bês pelos vês atrevia—me
a pensar que seria algo de tortuoso dentro de motor que deixara de funcionar.
A analogia veio-me à cabeça quando hoje lia os maus prenúncios de Gavyn Davies no Financial Times. Apoiado nos seus modelos “Fulcrum nowcast”, que, diga-se, anteciparam
bem a desaceleração do crescimento da economia americana, situando-o em torno
de um raquítico 1%, Davies traz para o debate a extensão dessas previsões de
crescimento raquítico e em desaceleração para a zona Euro. A previsão atualizada
passa para apenas 0,8% de crescimento anual e a Goldman Sachs avança também com
a sua própria previsão, mais baixa do que a da Fulcrum , que aponta para uns míseros
0,4%. Parece assim confirmar-se que a economia americana precede a europeia de
alguns meses em termos de comportamento macroeconómico.
Mas o que para mim é mais sintomático é que a perturbação
do crescimento europeu tem um dos seus epicentros na Alemanha, que os mais solícitos
estão sempre dispostos a considerar o motor do crescimento económico europeu,
apoiando o seu veredicto na poderosa indústria transformadora que os alemães
teceram anos a fio. Pois um veredicto amador diria que as bielas alemãs estão
com problemas e já não falamos na maneira como os gigantes do automóvel alemão recuperarão
do aperto nos calos que tiveram com a rábula das emissões que afinal eram fraudulentamente
mais elevadas do que se pensava.
Na economia mundial parece que estamos naquelas corridas
de ciclismo em que os protagonistas de uma dada fuga ou mesmo do pelotão se
recusam a assumir o papel de motores da corrida. A economia mundial parece
olhar mais para o carro vassoura do que para a frente do pelotão. E os responsáveis
pela sua gestão macroeconómica parecem incapazes de compreender as verdadeiras
razões da permanente avaria. Claro que os intolerantes defensores da pureza orçamental
continuarão a achar que o mundo está assim porque não tem as contas públicas
disciplinadas. Miopia, estigmatismo ou simplesmente cegueira intelectual vão
conduzindo o mundo para um precipício desnecessário.
Por cá, alguns críticos do governo de Costa já deram
conta que o mundo da procura global não está para grandes flores. Mas não deram
ainda o passo decisivo para entenderem que o estado económico do mundo não é
indiferente ao modo como tem sido gerido.
Os modelos da Fulcrum não falam ainda de recessão. Mas se
esta descida em baixa continuada das previsões de crescimento continuar a ser
entendida como simples sinais conjunturais não me admiraria que estivesse aí à
porta uma nova recessão, depois de algo que não chegou a ser uma verdadeira
recuperação.
Curiosamente, por uma outra via, o progressista Social Europe vem dizer-nos num novo
estudo que comecei a ler que todo o catastrofismo invocado para zurzir na pobre
senhora Merkel que teve de aceitar o estabelecimento do salário mínimo em 1 de
janeiro de 2015, imposto pelos seus colegas social-democratas de coligação,
falhou redondamente. O emprego prosseguiu uma trajetória continuada e sustentada
de crescimento. E até os célebres mini-jobs
alemães, trabalhos de tempo parcial para jovens de baixa remuneração, tão
criticados pelos franceses como exemplo de dumping
social praticado pelos alemães, tenderam a reduzir a sua incidência, implicando
passagens para postos de trabalho mais tradicionais.
Valha-nos isso pois as bielas deterioradas da indústria
transformadora exigirão outro tipo de conserto.
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