segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

AS BIELAS ALEMÃS PARECEM DETERIORADAS




(Uma simples analogia mecânica para sintetizar as agruras proféticas sobre o crescimento europeu)

 Sempre fui um ignorante das questões de mecânica automóvel, talvez de toda a mecânica, para ser mais rigoroso. Por isso ficava pasmado quando alguém diante de uma anomalia numa viatura a decifrava sem dificuldade. E recordo-me de muitos pronunciando firmes o veredicto de que tudo se devia ao mau estado das bielas. Na minha ignorância e trocando os bês pelos vês atrevia—me a pensar que seria algo de tortuoso dentro de motor que deixara de funcionar.

A analogia veio-me à cabeça quando hoje lia os maus prenúncios de Gavyn Davies no Financial Times. Apoiado nos seus modelos “Fulcrum nowcast”, que, diga-se, anteciparam bem a desaceleração do crescimento da economia americana, situando-o em torno de um raquítico 1%, Davies traz para o debate a extensão dessas previsões de crescimento raquítico e em desaceleração para a zona Euro. A previsão atualizada passa para apenas 0,8% de crescimento anual e a Goldman Sachs avança também com a sua própria previsão, mais baixa do que a da Fulcrum , que aponta para uns míseros 0,4%. Parece assim confirmar-se que a economia americana precede a europeia de alguns meses em termos de comportamento macroeconómico.

Mas o que para mim é mais sintomático é que a perturbação do crescimento europeu tem um dos seus epicentros na Alemanha, que os mais solícitos estão sempre dispostos a considerar o motor do crescimento económico europeu, apoiando o seu veredicto na poderosa indústria transformadora que os alemães teceram anos a fio. Pois um veredicto amador diria que as bielas alemãs estão com problemas e já não falamos na maneira como os gigantes do automóvel alemão recuperarão do aperto nos calos que tiveram com a rábula das emissões que afinal eram fraudulentamente mais elevadas do que se pensava.

Na economia mundial parece que estamos naquelas corridas de ciclismo em que os protagonistas de uma dada fuga ou mesmo do pelotão se recusam a assumir o papel de motores da corrida. A economia mundial parece olhar mais para o carro vassoura do que para a frente do pelotão. E os responsáveis pela sua gestão macroeconómica parecem incapazes de compreender as verdadeiras razões da permanente avaria. Claro que os intolerantes defensores da pureza orçamental continuarão a achar que o mundo está assim porque não tem as contas públicas disciplinadas. Miopia, estigmatismo ou simplesmente cegueira intelectual vão conduzindo o mundo para um precipício desnecessário.

Por cá, alguns críticos do governo de Costa já deram conta que o mundo da procura global não está para grandes flores. Mas não deram ainda o passo decisivo para entenderem que o estado económico do mundo não é indiferente ao modo como tem sido gerido.

Os modelos da Fulcrum não falam ainda de recessão. Mas se esta descida em baixa continuada das previsões de crescimento continuar a ser entendida como simples sinais conjunturais não me admiraria que estivesse aí à porta uma nova recessão, depois de algo que não chegou a ser uma verdadeira recuperação.


Curiosamente, por uma outra via, o progressista Social Europe vem dizer-nos num novo estudo que comecei a ler que todo o catastrofismo invocado para zurzir na pobre senhora Merkel que teve de aceitar o estabelecimento do salário mínimo em 1 de janeiro de 2015, imposto pelos seus colegas social-democratas de coligação, falhou redondamente. O emprego prosseguiu uma trajetória continuada e sustentada de crescimento. E até os célebres mini-jobs alemães, trabalhos de tempo parcial para jovens de baixa remuneração, tão criticados pelos franceses como exemplo de dumping social praticado pelos alemães, tenderam a reduzir a sua incidência, implicando passagens para postos de trabalho mais tradicionais.

Valha-nos isso pois as bielas deterioradas da indústria transformadora exigirão outro tipo de conserto.

Sem comentários:

Enviar um comentário