(ROA - taxa de rendibilidade de ativos; ROIC - taxa de rendibilidade de capital investido; NIBCL - responsabilidades a pagar que não implicam acumulação de juros)
(Reflexões na
margem da polarização política que vai caracterizando a antecâmara das eleições
americanas com foco numa
realidade que as alternativas políticas socialistas e social-democratas têm
vindo perigosamente a ignorar, a empresa)
Iniciei com os preliminares complexos do IOWA uma atenta
monitorização dos rumos políticos da sociedade americana, reiterando a perceção
de que o debate económico e político em Portugal tende a menosprezar essa influência.
Fá-lo ao abrigo daquela estafada ideia de que nada é replicável a partir da
sociedade americana. Sendo um fervoroso adepto da necessidade de contextualizar
as coisas, e de facto os EUA são eles próprios um contexto dificilmente replicável,
concluo rapidamente que as tão apregoadas diferenças de contexto são tão
relevantes por exemplos entre os países do Norte e do Sul da União Europeia como
aquelas que nos afastam da referência americana. Tenho concluído que há dimensões
de mudança na sociedade americana que é importante monitorizar, já que me parece
que elas prenunciam mudanças no interior do próprio capitalismo, ainda que
permaneça fiel ao reconhecimento das suas variedades, para seguir uma
literatura que é cada vez mais relevante para percecionarmos as referidas
mudanças (as variedades do capitalismo).
Um dos focos da atenção que reclamo é a inequívoca
polarização que enquadra a longa tramitação das eleições americanas. Entre os
republicanos, rapidamente chegaremos à conclusão de que Jeff Bush é um moderado,
pois entre o evangelismo primário de Ted Cruz, o reacionarismo atroz de Rubio e
o primarismo de Trump vá o diabo que escolha. As nossas mais recônditas lembranças
do republicanismo das origens perdem-se nestas eleições. Entre os democratas, ninguém
imaginaria que um idoso estatístico que se reclama socialista, Bernie Sanders,
ousasse incomodar Hillary Clinton e que captasse sobretudo a atenção dos
democratas mais jovens. Elizabeth Warren (The Fighting Chance, 2014 e The
Two-income Trap são duas referências incontornáveis do pensamento de Warren, que eu bem gostaria que
se candidatasse à Presidência dos EUA. Warren tem-se destacado também entre a reserva
moral dos democratas na denúncia das vias através das quais a polarização se tem instalado na sociedade americana. Ao longo destes
anos, captei neste blogue várias dimensões analíticas que podem explicar essa
polarização, desde a mais rude evidência da desigualdade crescente na economia americana,
até à polarização dos empregos, com ameaças às profissões de qualificações intermédias,
passando pelas agruras da regulação que devia combater a concentração de
poderes e que já viveu melhores dias.
Foi o amigo Guilherme Costa que me chamou à atenção para
a relevância de uma literatura que deve juntar-se aquelas referências para
compreendermos a referida polarização. Essa literatura foca-se sobretudo no interior
da empresa e numa série de desregulações do seu papel na progressividade equilibrada
das economias e tem entre outros expoentes nos contributos de William Lazonick
(Profits without prosperity de 2014 e
uma série de artigos sobre a chamada economia dos buybacks). Os contributos de Lazonick são contundentes pois situam
uma perigosa evolução no modo como a gestão dos principais CEO é exercida: de
criadores de valor estão a transformar-se em extratores de valor (CEO became takers not makers, na expressão
do jornalista Steve Denning também da Forbes), através de processos internos não
suficientemente escrutinados nos modelos de corporate
governance em aplicação, cujo desenvolvimento transcende o alcance
deste post. O tema é aliciante e suscita entre quem está interessado em alternativas
de governação social-democrata que integrem o papel da empresa um enorme fascínio,
que são frequentemente motivo de frustração pois é música que muito pouca gente
à esquerda quer ouvir.
A referência para um artigo da Forbes sobre a matéria tem
a mesma origem dos alertas anteriores. O articulista centra-se na evidência de
que as remunerações dos ativos e do capital investido têm experimentado uma sólida
tendência para a descida, comparando bem com taxas de retorno em torno dos 5 e
dos 6% observadas em tempos idos. À menor produtividade real das empresas
americanas correspondeu um conjunto de práticas diversas baseadas no
artificialismo financeiro e no objetivo central de maximização do valor dos
acionistas, representado no valor corrente das ações cotadas. Não é altura para
explicar o contexto que terá determinado esta guinada de orientações. O que
interessa destacar é que ela é contemporânea de uma outra evidência, já
comentada por repetidas vezes neste blogue. Essa tendência é a declarada divergência
entre o crescimento da produtividade e dos salários na economia americana. Essa
divergência significa que nem os trabalhadores nem o consumidor, principalmente
os primeiros, têm beneficiado dos aumentos de produtividade. Mas não apenas os
CEO podem ser considerados os vilões desta história. O articulista da Forbes
fala de outras cumplicidades, das administrações, de Wall Street, dos brokers, reguladores, políticos, fundos
de pensões e outros investidores todos se mantiveram indiferentes a essa
perniciosa tendência. O conjunto de distorções associadas a estas práticas é vasto
e impiedoso no seu enunciado: “decisões a curto
prazo, diminuições de custos implacáveis, redução de efetivos, operações expremidas
ao máximo, menor investimento, inovações desajeitadas, mão-de-obra desmotivada,
benefícios e pensões reduzidos para os trabalhadores, fusões loucas,
encerramento de fábricas, produção off-shore, aumento de dívida, menor capacidade
para competir, descida das taxas de rendibilidade de ativos, ilegalidade
crescente no setor financeiro, financialização excessiva da economia”.
Trágico, não?
Tenho para mim que as questões da regulação destes desvarios
empresariais devem ser colocadas em simultâneo com uma política macroeconómica
que não ignore as ameaças de estagnação secular que se abatem sobre as
economias mais avançadas. Há seguramente esperança em novos modelos
organizacionais e de management que resistam à valorização e frequentemente
artificial do valor das ações. Modelos que encarem a organização como um todo e
que não afastem os trabalhadores dos benefícios da produtividade. Modelos que não
pactuem com CEO takers e não
fazedores (criando) de valor.
E sobretudo uma vontade firme de quebrar com o estado de
coisas que permitiu estas derivas. No pensamento do articulista da Forbes
rejeitar: “Como sociedade tolerámos que a extração de
valor a partir das empresas predominasse sobre a criação de valor; que os ganhos
financeiros das melhorias de produtividade não fossem distribuídos aos
trabalhadores que os geraram; que os executivos atribuíssem a si próprios bónus
extraordinários por um desempenho objetivamente fraco; que muitas administrações
tivessem degenerado em sistemas formalizados de ajuda mútua; que a manipulação
ilegal dos preços das ações em escala gigantesca se transformasse em prática
regular; e que a estagnação e o declínio económico fossem vistos não como algo
de aceitável mas de inevitável. O facto é que como sociedade que tolerou estas
práticas nos transformámos em parte do problema”.
Mas que boa conversa política para o futuro pode ser iniciada
partindo desta perspetiva. Há interessados?
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