quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

ESTAGNAÇÃO SECULAR: MAIS DO QUE UMA SIMPLES ABORDAGEM EXCÊNTRICA E FORA DE MODA …

(Dois gráficos já "velhinhos" do Economst a propósito da estagnação secular)



(À medida que as economias avançadas parecem enredadas numa armadilha de crescimento e que as taxas naturais de juro se perfilam no horizonte de longo prazo como prolongadamente baixas, as coisas parecem dar razão à insistência de Lawrence Summers)

Por haver muito boa gente que queira enterrar o conceito de estagnação secular, associando-o irreversivelmente aos anos 30 de Alvin Hansen, enterrando simultaneamente a finura do próprio Keynes, considerando-os coisas para um baú do esquecimento, isso não significa que o tenhamos de fazer. A insistência de Lawrence Summers no tema e no conceito, se bem que atendendo ao seu prestígio académico e mediático seja uma força de peso, acontece não por teimosia exibicionista mas porque a simples “evolução das coisas” concede margem de manobra à sua difusão e à geração de investigação empírica suscetível de consolidar a abordagem.

O próprio Summers interroga-se sobre essa influência do andamento concreto das economias avançadas e da taxa real natural de juro para explicar como a ideia está em consolidação. Os economistas têm esta atração pelo abismo que deve deixar outros homens de ciência como os físicos estarrecidos. No seio de toda esta vasta controvérsia está um conceito, a taxa real natural de juro, que não é realmente observável, é uma construção meramente teórica que tem de ser aproximada por métodos indiretos, nada se parecendo com a epopeia da demonstração de que as ondas gravitacionais induzidas por um choque algures no tempo entre dois buracos negros existem e podem ser “ouvidas”. Ora, para não introduzir complexidades desnecessárias, a taxa real natural ou neutral de juro seria a taxa que equilibraria a poupança e o investimento necessários para atingir o pleno emprego da economia. Na formulação de Summers, a estagnação secular acontece quando essa taxa real natural de juro é demasiado baixo de modo que não é facilmente atingida com políticas convencionadas centradas nos bancos centrais. Todas as evidências indiretas convergem para essa conclusão. As taxas de juro de longo estão muito baixas. As expectativas de inflação a longo prazo estão muito longe das metas de 2% assumidas pelos bancos centrais. O valor baixo das primeiras a longo prazo sugere que os investidores não antecipam inflação elevada para o longo prazo, o que é também sugerido pela evolução dos títulos indexados à inflação. Por isso Summers não abandona a sua ideia de que o mundo vive um problema de procura global, com a poupança desejada e concretizada pelos agentes económicos a exceder o investimento.

Como é óbvio, fatores mais abrangentes explicam complementarmente o comportamento da poupança e do investimento. Quanto à poupança, desde Keynes e seus seguidores se sabe que uma distribuição do rendimento favorável aos rendimentos mais elevados favorece o crescimento da poupança. Os mais riscos poupam proporcionalmente mais do seu rendimento que os mais pobres. Quanto ao investimento, a ausência de novos universos de oportunidades de investimento e a descida do preço relativo do capital reduzem a massa de investimento desejado.

Mas as implicações da insistência de Summers não ficam por aqui. Todas as evidências dos últimos tempos mostram que a política monetária, mesmo assumindo cambiantes de uma contorcionista imaginativa, multiplicando-se em surpresas e medidas não convencionais que deixam os mais ortodoxos furibundos e na eminência de um ataque de nervos, começa a dar sinais de não poder fazer mais, sem ter entretanto resultados palpáveis. E até pode dizer-se que começam a emergir efeitos perversos. Veja-se por exemplo a reação dos investidores antecipando que a banca lidará mal com as medidas não convencionais e perderá capacidade de geração de valor a prazo.

E, nestas situações, podemos disfarçar, dar voltas e assobiar para o ar. Mas quando a política monetária, travestida das incursões menos ortodoxas, dá sinais de não resolver por si só a situação, é altura da política fiscal e do investimento público regressarem do além.

Mas, tragédias das tragédias, nem todos os países estarão nas mesmas condições para ensaiar a última, a verdadeira das bazucas. No quadro do xadrez europeu, seria necessário que os menos endividados do Norte fizessem o seu papel para que os mais endividados e com menor margem de manobra tirassem disso benefício, se não houver reestruturação de dívida que se veja. A incapacidade europeia para pôr em execução o Plano Juncker diz bem da inércia que estamos a falar.

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