terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

OS DIÁLOGOS DE KARLSRUHE – A EUROPA

(António Fraguas Forges, http://elpais.com)

Mas é claro que o tema que dominou em permanência, direta ou indiretamente, estes dois dias de debate foi a Europa. A Europa da União Europeia, a Europa da Zona Euro, a Europa dos alargamentos, a Europa das Nações, a Europa das Regiões, a Europa das ameaças de exit que se sucedem, a Europa dos países limítrofes e próximos, a Europa dos cidadãos, a Europa dos migrantes, a Europa dos populismos e outras tantas Europas que foram sendo referenciadas. E, perante uma audiência quase exclusivamente alemã (embora predominantemente mais aberta do que será comum por aquelas paragens), a resultante mais marcante que emergiu de todo esse mundo de questões foi a de uma quase ausência de mínimos de amarração em termos de perceções, leituras e valores no quadro da Europa instalada, burocrática e intergovernamental que foi sendo forjada e alimentada ao longo da última década, ausência que provoca ademais uma descrença fundamental nos cidadãos que a compõem e a quem a sua construção alegadamente se dirige. A forma como aquela sala se dividia ao meio, entre palmas e assobios, sempre que eram afloradas dimensões essenciais da Europa dos pais fundadores e a sua transposição para o presente (traduzindo, no fundo, a complexa relação entre a defesa estrita e ortodoxa do primado da lei e das regras por parte de alguns e da necessária incorporação de fontes adicionais de legitimidade por parte de outros) foi para mim plenamente esclarecedora e justificativa de que tenha saído de Karlsruhe ainda mais convencido de que “criamos um monstro” (citando Piketty) e de que aquela Europa morreu e, com ela talvez mesmo, qualquer hipótese séria de levar adiante, num horizonte próximo, qualquer projeto democrático e transnacional à escala deste Continente – assim, e ao contrário do que a principal responsável pelo evento diplomaticamente referiu na sua breve alocução final (we agree to differ), eu mais não consigo do que ainda encontrar algum excesso na síntese de Ulrike (if we, the Germans, do not show proof of this, we destroyed Europe for the third time) e assim sinceramente esperar estar errado quanto ao meu crescente ceticismo sobre a real e profunda essência deste triste momento de recuo histórico!

Termino com aquelas que são, a meu ver, as imagens que melhor ajudam a caraterizar o sentido e a focalização da discussão. Entre a exata coincidência temporal do acordo da União Europeia com o Reino Unido (abrindo caminho a um referendo imprevisível, quer no seu resultado quer nas suas consequências) e a abertura dos “Diálogos”, o mapa dos populismos na Europa para que Brokos nos alertou exibindo o “Die Welt” daquele Sábado, a espécie de revelação da luz que constituiu para a larga maioria dos presentes a chamada de atenção para os malefícios dos excedentes alemães e aquele simbólico mapa de 1537 que representava a Europa como um corpo feminino em que cada monarquia, região, povo ou etnia encontrava o seu lugar natural e orgânico (res publica europaea). Facts not feelings, como alguém por lá disse, mais não seja para combater a ignorância quase obscurantista subjacente às orientações políticas que tanto nos vão chocando, constrangendo e derrotando...




(reproduzido em Ulrike Guérot, https://www.opendemocracy.net)

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