(Réplicas
solarengas de uma tarde excelente a discutir os territórios da urbanização
extensiva em Famalicão, talvez
com mais interrogações do que certezas)
A jovem equipa de urbanismo da FAUP (jovem, porque pelas circunstâncias
da vida os amigos Manuel Fernandes de Sá e Nuno Portas não estiveram presentes)
deve sentir-se retribuída pelo dia de debate que animou em torno da urbanização
extensiva e da exposição Território Casa Comum que culmina o seu trabalho de investigação
para a Câmara Municipal de Famalicão.
Pela tarde completa que tive a oportunidade de vivenciar,
incluindo o debate parcelar em que participei com a Arquiteta Francisca
Magalhães da CM de Vila Nova de Famalicão e o amigo João Ferrão, o ambiente de
diferentes olhares sobre estes territórios penso que foi realmente conseguido.
E parece-me que a equipa de urbanismo da FAUP necessita desse confronto do seu
próprio olhar sobre estes territórios com outros olhares, não só disciplinares.
A urbanização extensiva do Ave não pode, como ontem referi aqui neste espaço,
ser dissociada da industrialização evolutiva implantada no território, que está
mais próxima do velho conceito do distrito industrial do que do cluster
territorializado. Ambos os conceitos partilham a matriz da densidade das
relações entre empresas, mas o conceito de distrito industrial cobre melhor a
imersão destas em relações mais amplas com os tecidos sociais e humanos dos
territórios. As relações entre empregadores (já agora em quase trinta anos, de
1985 a 2013, revelando um crescimento aquém do que esperaria em termos de peso
do estatuto profissional dos que vivem e trabalham no Ave) e trabalhadores
fazem parte dessa imersão indissociável e a perspetiva da história e da
política que Pacheco Pereira veio trazer na sua intervenção final de síntese é
crucial para compreender a sua evolução.
Em territórios como estes, em que a sobreposição dos layers de ocupação é potencialmente
fragmentária, há uma tendência quase natural para se associar essa sobreposição
à falência radical (morte, pura e simples) das teorias e modelos de
planeamento. Seria por exemplo o caso do planeamento racionalista que não teria
nenhum contributo potencial para o entendimento destes modelos territoriais,
produzindo uma espécie de vazio na intervenção sobre o território. O sempre
claro e direto João Ferrão veio trazer ao debate duas ideias de grande alcance
prático. Primeiro, será necessário combater a perspetiva da excecionalidade
para este modelo territorial. O grande alcance da investigação da FAUP é o
fundamentar a perspetiva de que os modelos territoriais são mais diversos do
que pensávamos, já que constituirá um erro tenebroso procurar entender a
urbanização extensiva à portuguesa ou à vale do Ave no âmbito por exemplo do
conceito de urban sprawl. Segundo,
que lhe parece precipitado matar assim, sem mais delongas, o planeamento
racionalista, até porque a sobreposição dos referidos layers não determina necessariamente que não haja áreas de
intervenção passíveis de beneficiar de algum contributo do planeamento mais
racionalista.
Pareceu-me extremamente criativo e original chamar
Gonçalo M. Tavares a produzir um olhar sobre estes territórios. E o escritor não
se fez rogado. Interrogou-se connosco sobre a relevância das categorias não canónicas,
envolvendo Borges, Tarkovski, Sebald, Dali, Barthes e outros numa delícia de
charla. Toda esta comunidade do planeamento precisa destes momentos de transgressão.
Pacheco Pereira fechou como previa assumindo o ponto de
vista da história, necessário para compreendermos sobretudo a evolução do
processo de industrialização e as aspirações que trouxe a toda uma população
que viveu no passado momentos e contextos de pobreza verdadeiramente estrutural.
Dos aspetos mais conhecidos da sua abordagem, creio que o mais importante é sem
dúvida o da sua alusão ao retrocesso civilizacional que a intensificação do
desemprego feminino tem vindo a provocar. A mulher perde uma grande parte da sua
autonomia e foi no universo dos modos de vida e do consumo feminino que se
concretizaram as grandes revoluções. Ficaram grandes interrogações e sobretudo
a grande das grandes questões – o que fazer deste e com este território. As
questões prudenciais e baseadas em valores de Bent Flyvbjerg que eu próprio trouxe
para o debate constituem elas próprias um desafio que uma simples conferência não
pode resolver: (i) para onde está a evoluir o Ave? (ii) É desejável essa evolução;
(iii) quem está a ganhar e a perder com essa evolução e quem ganhará ou perderá
com as intervenções possíveis?; (iv) Então o que é que deve ser feito?
Colocar no debate estas questões já valeu a pena de um sábado
solarengo sacrificado.
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