(Piketty põe os
pontos nos is, mostrando como a França e a Alemanha atingem níveis de produtividade por hora de
trabalho similares aos americanos e com resultados de maior equidade, assim
sendo …)
O modelo social europeu, na sua dupla e indissociável combinação de
dimensão económica e social, é frequentemente desvalorizado por, alegadamente, conseguir o seu desempenho social à custa de uma menor
agilidade económica, na boca de alguns à custa de vulnerabilidades do ponto de
vista da competitividade.
É conhecido que o economista francês Thomas Piketty, catapultado para a
ribalta da comunicação com o seu Capital
no Século XXI e com os seus trabalhos sobre a deriva inequalitária do
capitalismo recente, se tem destacado com diferentes propostas de preservação e
defesa do modelo social europeu que passam sobretudo por uma nova fiscalidade
para os tempos de hoje. Compreensivelmente, essa nova fiscalidade está focada
em propostas suscetíveis de suster a deriva da desigualdade.
Na senda da exposição e notoriedade públicas que a sua obra lhe permitiu
alcançar, Piketty é cada vez mais um economista interventivo, com imaginação,
no debate político, rompendo com o estatuto bacteriologicamente puro dos
economistas agnósticos em relação aos grandes desafios políticos e sociais do
nosso tempo. O seu blogue no Le Monde
está nessa linha, preparando ideias e pesquisas que tomam depois forma mais
elaborada em conferências, seminários e alguns artigos.
O post de 9 de janeiro deste ano sobre o tema da produtividade em França e
na Alemanha, em confronto com o panorama mais global das economias maduras e
avançadas, está nessa linha de intervenção e traz-nos sobretudo uma leitura
distinta das narrativas que têm vindo a ser construídas sobre a paquidérmica
França, acusada de todas as derivas de rigidez, de mordomias e de ausência de
flexibilidade económica. Por falar em narrativas, aproveito para colocar em
fila de espera neste blogue a importante intervenção que o Nobel RobertSchiller (o da exuberância irracional dos mercados) realizou na conferência
anual da American Economic Association
sobre as narrativas económicas.
Apesar de nos alertar para as debilidades (como média que é) do indicador “produtividade por hora de trabalho” (PIB
/horas trabalhadas), e Piketty é muito cuidadoso na não instrumentalização de
informação estatística, o economista francês mostra-nos que a França e a
Alemanha partem nos anos 70 de níveis de produtividade bem inferiores à
americana, para após 1985 realizarem um apreciável esforço de recuperação e se
situarem hoje em níveis praticamente similares ao dos EUA. Em contrapartida, a
partir de 1995, o Reino Unido viu a sua produtividade praticamente estagnar,
situando-se hoje a um nível bastante inferior (cerca de 25%) aos níveis da
França e da Alemanha. A informação sistematizada por Piketty mostra ainda que
as diferenças em termos de horas trabalhadas entre os três países que lideram a
produtividade são irrisórias.
Independentemente de outros desenvolvimentos que o próprio Piketty
acrescenta ao tema, os 55 euros de produto que uma hora de trabalho gera, em
média, em França estão ao nível do observado nos EUA e na Alemanha e acima
significativamente do valor atingido pelo Reino Unido.
Ora daqui podemos desde já inferir duas importantes conclusões, não
esquecendo os avisos de Piketty sobre as limitações de uma média e do facto de,
no numerador, estar o Produto Bruto, onde deveria estar uma grandeza líquida
que descontasse as depreciações necessárias para compensar o consumo
(obsolescência) de capital: primeiro, os países de modelo de estado social não
têm desempenho económico inferior ao das economias que fazem gala de não
respeitar esse modelo; segundo, a rígida França tem valores similares de produtividade
ao da disciplinada e poupada Alemanha. São duas narrativas que caem pela base,
não valendo a pena por isso reproduzi-las indefinidamente, pois os números
estão aí e respeitam a períodos longos e estão avaliados à paridade de poder de
compra, compensando eventuais diferenças de preços relativos entre os países em
confronto. A pretensa superioridade do mercado puro e duro não existe e, no
caso do Reino Unido, até há inferioridade deste último e por isso mesmo custa a
crer como os Conservadores ingleses conseguiram ganhar a última eleição, para
sucumbirem nas armadilhas do BREXIT. Piketty avança ainda com uma explicação
para a recuperação da França e da Alemanha e para o recuo dos EUA e do Reino
Unido: investimentos em educação.
Mas o trabalho de Piketty traz-nos mais nuances,
todas com um vasto alcance em termos de discussão de modelo social. Assim, por
exemplo, na Alemanha o número de horas de trabalho por trabalhador empregado é
mais baixo do que em França e a explicação é a maior presença de trabalho em
tempo parcial, que levanta sempre a questão de saber se é fruto de opções de
vida familiar (como nos países escandinavos) ou se resultam de necessidade. Nos
EUA e no Reino Unido, com menor presença dos benefícios do Welfare State em termos de mercado de trabalho, o tempo de trabalho
é mais longo. A superioridade dos EUA em termos de rendimento per capita não é uma vantagem de
produtividade. É tão só um problema de tempo de trabalho. Para além disso, os
níveis de desigualdade observados nos EUA e no Reino Unido são superiores.
Reunindo toda esta evidência, parece poder concluir-se que o desempenho
económico do modelo social europeu é similar senão superior ao dos EUA e do
Reino Unido e claramente acompanhado por melhor equidade e melhores condições de
vida. A narrativa da agilidade do mercado fica uma vez mais comprometida.
Resta um outro termo de comparação entre a França e a Alemanha. Para
produtividades similares, a evidência diz-nos que os dois países estarão a
utilizar os crescimentos de produtividade de forma diversa. Assim, a um
excedente comercial externo alemão, que já é estrutural, sucedendo o contrário
em França. A duração temporal do excedente comercial externo alemão já superou
tudo que poderia ser considerado uma atitude de reserva e de prudência face às
incertezas do futuro. Se todos os países europeus se dessem ao luxo de um
excedente comercial externo como o alemão, não haveria no mundo capacidade para
compensar esses excedentes. A economia mundial colapsaria.
Moral da história. A descuidada e distraída Europa
internalizou erradamente a narrativa de que o seu modelo económico e social
traz rigidez e empobrece o desempenho económico. Não é verdade. O conceito de
competitividade é obscuro. O de produtividade não, é claro, mais facilmente
mensurável e permite declinações importantes, que se transformam em nuances de análise. A França e a
Alemanha têm desempenhos de produtividade iguais ou superiores aos de economias
pressupostamente abençoadas pela agilidade de mercado. Esse desempenho
económico igual é acompanhado de melhor desempenho social. Por conseguinte, o
problema não é o modelo social. Há certamente desafios transversais e comuns
como o demográfico. Mas o problema central é o de um comportamento não
coordenado das suas principais economias. A começar pelo excedente comercial
externo alemão.
E, reparem, não chamámos à colação o modelo escandinavo.
Há alguém que consiga explicar esta ideia central aos alemães?
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