quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

BARACK SAI DE CENA




(Quiseram as circunstâncias de uma sucessão que abalou as nossas consciências que o discurso de despedida de Barack Obama coincidisse praticamente com a primeira conferência de imprensa do novo Presidente eleito, altura certa para uma breve reflexão sobre o legado económico de quem sai …)

Nos termos em que a democracia americana está organizada, é precipitado admitir que a intervenção dos presidentes é suficientemente forte para podermos julgar o legado de quem sai em termos económicos. Há muitos outros fatores que podem influenciar mais decisivamente o desempenho macroeconómico dos EUA, a começar pelo relacionamento fácil ou complicado com o Congresso, ao qual acrescentaria a capacidade de relacionamento com as empresas americanas na sua dupla atividade de entre e fora de portas. Por isso, relegando para plano secundário questões de causalidade explicativa do desempenho da economia americana, podemos colocar a questão de outro modo: o que é de economicamente relevante aconteceu no período correspondente à administração Obama?

E a primeira nota que salta para a análise é inquestionavelmente os efeitos da intervenção anticrise de 2007-2008 que começam a ser avançados ainda na administração Bush, que tentou minimizar a sua própria quota de responsabilidade no eclodir da crise financeira. A administração Obama herdou uma economia em plano inclinado. Pode discutir-se se o American Recovery and Reinvestment Act de 2009 foi suficientemente ambicioso para poder ter atingido resultados num mais curto espaço de tempo. Economistas como Paul Krugman estão nessa linha. Mas os contrafactuais históricos não me interessam por aí além, são especulativos. O que sabemos é que, ao contrário das hesitações da União Europeia e do Reino Unido em organizar em tempo oportuno um estímulo fiscal de proporções significativas, a administração Obama foi praticamente a única a assumir essa responsabilidade, posteriormente completada pela ação exercida pelo Banco da Reserva Federal por via de uma política monetária largamente heterodoxa até há bem pouco tempo. Conseguiu também estancar os desequilíbrios do sistema financeiro em tempo rápido. Não esqueçamos ainda o programa de ajuda ao setor automóvel americano.

Sempre com os Republicanos à perna, boicotando tudo que cheirasse a estímulo fiscal, a administração Obama consegue uma recuperação macroeconómica que, embora lenta pelos padrões comparativos com outras recessões de outras épocas, rapidamente suplantou as das economias avançadas em geral, com destaque à cabeça para as dificuldades de recuperação da economia da zona Euro. 15,6 milhões de empregos criados, mesmo se descontarmos a fragilidade de alguns desses postos de trabalho criados, é obra e faz parecer do foro trágico-cómico a afirmação de hoje de Trump segundo a qual irá ser o maior criador de emprego à face da terra. O indicador vale o que vale mas o facto da produtividade estar hoje cerca de 4% acima do seu nível pré-crise, quando na zona Euro ainda está abaixo desse nível pré-crise é esclarecedor, mesmo que saibamos que a economia americana não está à margem dos problemas de desaceleração do crescimento da produtividade que se vai observando pelo mundo mais avançado.

A sanha persecutória da futura administração Trump terá dificuldade em desmontar e desmembrar estes efeitos em termos de desempenho económico. Vai aguçar, isso sim, os dentes para desmembrar o Affordable Care Act de Obama que trouxe para a proteção na saúde 20 milhões de adultos e 3 milhões de crianças. A descida continuada da taxa de participação na força de trabalho dos homens com idade compreendida entre os 25 e os 54 anos permaneceu na administração Obama como o desempenho insuficiente e mais intrigante de todo o funcionamento económico, ao qual não pode deixar de juntar-se o agravamento da desigualdade à custa da melhoria continuada dos 1% mais ricos.

Não se imagina a administração Trump a resolver o problema da taxa de participação (erguendo muros) e muito menos o problema da desigualdade, estando ele entre os beneficiados do 1% mais rico.

Por isso, se o discurso de Chicago de Obama ainda é uma perspetiva de esperança, a primeira conferência de imprensa de Trump é boçal quanto baste. É com isso com o mundo vai viver com os olhos na economia americana: buscando os sinais da esperança de Obama e preparando-se para o universo da alarvidade de Trump. Estranho tempo este.
 
Nos artigos de Martin Wolf no Financial Times e de John Cassidy na New Yorker podem encontrar valiosa informação para esta questão.

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