domingo, 8 de janeiro de 2017

SOARES: UMA VIDA PLENA NA POLÍTICA




(Tributo singelo a uma personalidade enorme que fecha um ciclo da nossa democracia, elaborado sobretudo em função da característica que mais apreciava em Mário Soares, a demonstração de que fazem falta na política aqueles que amam a vida e a dignificam, nunca se entregando)

A vida nunca proporcionou momentos decisivos de aproximação a Mário Soares e ao seu círculo mais restrito de amigos. Recordo-me de um ou dois contactos por iniciativa do também já desaparecido Luís Roseira na antecâmara de uma das suas campanhas presidenciais, a propósito de algumas questões da Região Norte. Estive do lado oposto com a candidatura de Maria de Lurdes Pintassilgo mas do mesmo lado na segunda volta contra Freitas do Amaral, depois de uma recuperação política só ao alcance dos predestinados para a política. Voltei a estar do lado oposto com Manuel Alegre, mas reconheci a sua espantosa abnegação de ir a votos e sobretudo a sua capacidade de encarar a derrota como algo de intrínseco à própria democracia. Estivemos de novo do mesmo lado apoiando António Sampaio da Nóvoa.

Tudo praticamente já foi escrito sobre Mário Soares e sobre o que ele significou para a democracia portuguesa e como ele nos ajudou a combater as derivas pseudorevolucionárias. Resta-me neste tributo singelo, focar-me em dois temas.

Em primeiro lugar, gosto de personalidades que amem a vida, que a vivam com paixão, elegância e entusiasmo, e que tragam para a política essa maneira de estar, sendo genuínos, intuitivos, frontais, inteiros, cultos, não enjeitando o confronto e não dissimulados, deprimidos, formais bafientos, cinzentos. Soares estava no grupo restrito dos primeiros, fazer política era tão natural como passar pela velha Sá da Costa no Chiado ara comprar um livro ou simplesmente para conversar, deliciar-se perante um quadro de Pomar ou falar com um dos nomes mais sonantes da política estrangeira, como Mitterand, Olof Palme ou outro qualquer. O texto de Teresa de Sousa no Público de hoje é exemplar nessa vertente. A política portuguesa não terá a mesma naturalidade.

O segundo tema tem que ver com o legado de Soares, que Marcelo e Sampaio tão bem registaram, o primeiro na sua comunicação, o segundo em texto hoje também no Público em edição especial. Os três objetivos colocados por Soares no Portugal Amordaçado, democratizar o país abatendo o regime de Salazar e Caetano, descolonizar e assegurar a integração na Europa foram por ele concretizados. Mesmo que o ódio contra a descolonização circule ainda por aí, a história futura mostrará que, nas condições concretas da época, dificilmente poderia ter sido encontrada uma outra saída, sobretudo atendendo ao prolongamento desmesurado da guerra. Todos os restantes foram concretizados e a Voz de Soares foi algo de decisivo na Europa que então se construía.

Mas há um legado que fica para nossa própria responsabilidade. Soares intuiu e escreveu abundantemente sobre isso que a Europa dos últimos tempos não era a sua Europa e dos seus amigos de referência. Mas também compreendeu que isso era em parte a consequência da social-democracia e do socialismo democrático não terem compreendido a globalização e a necessidade de a recompor. A sua VOZ já enfraquecida foi das primeiras a denunciar a degenerescência tecnocrática do projeto Europeu e a reconhecer a necessidade de um outro rumo para a globalização. Soares fez o que estava ao seu alcance, indignando-se e como é importante a indignação vinda de VOZES que construíram e se bateram por alguma coisa.

Essa responsabilidade é nossa.

Seria bonito que nos empenhássemos na busca dessas alternativas como forma de honrar a personalidade, o amar a vida e a VOZ de Soares.

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