(Embora não tenha
reunido as preferências dos portugueses para palavra do ano, no domínio dos
desejos e expectativas crescimento é uma palavra que corre o risco de ficar
gasta, havendo matéria
para discutir o que nos espera pelo menos do ponto de vista do enquadramento
internacional da economia portuguesa)
Os ecos do fim de 2016 e a prospetiva conhecida para 2017 trazem-nos um
enquadramento muito contraditório. Do ponto de vista macroeconómico, começam a
surgir pela primeira vez desde há alguns anos correções em alta de previsões.
Por exemplo, as previsões da consultora Fulcrum,
invocadas por Gavyn Davies no Financial
Times (ver link aqui), trazem novidades não tanto ao nível das economias
emergentes, mas sobretudo ao nível das economias avançadas, donde tem brotado o
pessimismo em termos de crescimento. Segundo os dados da consultora, as
economias avançadas estarão neste momento a crescer acima da sua tendência de
longo prazo, puxando o crescimento económico mundial para uma taxa de 4,1%,
dada a relativa estabilidade do crescimento nas economias emergentes, o que
compara muito favoravelmente com o clima de 2015 e de grande parte de 2016. Do
ponto de vista da prospetiva a curto prazo, as revisões em alta surgem como
mais prováveis nos EUA, na zona Euro e na China, o que constitui de facto
música diferente da ouvida nos últimos tempos.
Porém, tal como o lúcido Martin Wolf o assinala também no Financial Times (ver link aqui), o panorama prospetivo
permanece contraditório. Às melhores perspetivas macroeconómicas juntam-se
interrogações essencialmente determinadas pela caixa de surpresas que a
governação Trump pode representar, pelas instabilidades políticas que poderão
observar-se na zona Euro em sucessivas eleições de 2017, pela ameaça do
terrorismo e pela eventualidade de um choque associado a perturbações possíveis
da economia chinesa (reais apesar de menos prováveis nos tempos que correm) e
que podem vir associadas a uma possível guerra comercial com a América de
Trump.
Apesar das melhorias de recuperação observadas nas economias avançadas
(veremos se a variação inflacionária registada em dezembro significa algo de
sustentado), é curioso que persistam reservas essencialmente determinadas pela
possível quebra da taxa de inovação nessas mesmas economias. Dir-se-ia que o
livro de Robert Gordon sobre o relativamente dececionante desempenho
tecnológico da economia americana, sobretudo em termos do crescimento da
produtividade, calou fundo nos estudiosos do crescimento.
Sempre acreditei que as ideias são como as cerejas e que nestas matérias
quando mergulho na pesquisa brotam sempre novas ideias que vêm consolidar
ideias anteriores ou então sugerir convincentes mudanças de direção. Um
conjunto relevante de economistas americanos, três de Stanford e outro do MIT,
acabam de publicar no National Bureau of
Economic Research (NBER) (ver link aqui) investigação preliminar muito relevante para
compreendermos as interrogações em torno de um possível choque tecnológico de
amortecimento do ritmo de inovação. Nesse grupo, destaca-se Charles I. Jones o
economista que conjuntamente com Paul Romer devemos a investigação empírica
mais sólida sobre as relações entre a inovação tecnológica e a economia das
ideias.
Muito na linha dos trabalhos anteriores de Romer, na perspetiva da economia
das ideias o crescimento económico é visto como sendo o resultado de dois
fatores multiplicativos, adicionáveis por conseguinte em termos de ritmos de
variação. As variáveis são a produtividade das ideias valorizáveis
economicamente (ou seja a investigação suscetível de ter uma translação em
termos de criação de valor) e o esforço de investigação realizado, medindo este
último pelo número de investigadores afetados a essa mesma investigação. Ou
seja, um indicador de output (as
ideias produzidas) e um indicador de input
(os recursos alocados a essa mesma investigação).
Os quatro economistas reúnem evidência preciosa para mostrar que o
crescimento económico relativamente moderado que tem vindo a concretizar-se é
fruto de uma quebra com algum significado na produtividade das ideias
valorizáveis economicamente ligeiramente compensada pelo aumento do esforço de
investigação.
Há um exemplo conhecido de muitos, particularmente dos engenheiros, que
ilustra preciosamente esta ideia. A lei de Moore, devida ao fundador da INTEL,
diz-nos que a número de transístores compactados num chip de computador duplica
de dois em dois anos. A lei é mais uma regularidade empírica do que uma lei
geral. Mas o que é impressionante é que para assegurar a duplicação dessa
compactação são hoje necessários 75 vezes mais investigadores do que o eram nos
anos 70. A isto chama-se aumento do esforço de investigação para assegurar o
mesmo output tecnológico, o que
significa que a produtividade das ideias que suportam a lei de Moore está a
diminuir consideravelmente. O artigo acrescenta outras evidências segundo as
quais a produtividade das ideias terá diminuído na economia americana desde
1930 a um ritmo de cerca de 5% ao ano. Importante e música celestial para a
tese de Robert Gordon. Os resultados da investigação são ainda consistentes
mesmo que se estabeleça a distinção entre ideias que aperfeiçoam e melhoram a
eficiência de tecnologias já existentes (por exemplo, melhoria dos motores
diesel dos automóveis) e ideias que produzem variedades totalmente novas de
tecnologias, por exemplo os motores elétricos. Compreende-se que, no primeiro
caso, os constrangimentos de produtividade possam ser
mais salientes, pois os rendimentos decrescentes das tecnologias existentes
impõem algum respeito. Mas mesmo que a inovação resultasse apenas de novas
variedades de tecnologias a quebra de produtividade seria relevante.
Resumindo, para além das ameaças da instabilidade política, o crescimento
económico aparece ameaçado a prazo pelas interrogações que pairam sobre o ritmo
da inovação nas economias avançadas. Recordemos que um menor ritmo de inovação nas
economias da fronteira tecnológica significará menor potencial de encurtamento
de distância por parte das economias emergentes, pois a capacidade de “catching-up” destas últimas depende do
ritmo que o progresso técnico assume nos países que o lideram. Até aqui o
esforço de investigação tem compensado ligeiramente a quebra de produtividade
das ideias. Mas isso tem limites, um dos mais relevantes sendo a concentração
das atividades de investigação em empresas de grande escala. Conversa para
outros posts.
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