quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

CRESCIMENTO




(Embora não tenha reunido as preferências dos portugueses para palavra do ano, no domínio dos desejos e expectativas crescimento é uma palavra que corre o risco de ficar gasta, havendo matéria para discutir o que nos espera pelo menos do ponto de vista do enquadramento internacional da economia portuguesa)

Os ecos do fim de 2016 e a prospetiva conhecida para 2017 trazem-nos um enquadramento muito contraditório. Do ponto de vista macroeconómico, começam a surgir pela primeira vez desde há alguns anos correções em alta de previsões. Por exemplo, as previsões da consultora Fulcrum, invocadas por Gavyn Davies no Financial Times (ver link aqui), trazem novidades não tanto ao nível das economias emergentes, mas sobretudo ao nível das economias avançadas, donde tem brotado o pessimismo em termos de crescimento. Segundo os dados da consultora, as economias avançadas estarão neste momento a crescer acima da sua tendência de longo prazo, puxando o crescimento económico mundial para uma taxa de 4,1%, dada a relativa estabilidade do crescimento nas economias emergentes, o que compara muito favoravelmente com o clima de 2015 e de grande parte de 2016. Do ponto de vista da prospetiva a curto prazo, as revisões em alta surgem como mais prováveis nos EUA, na zona Euro e na China, o que constitui de facto música diferente da ouvida nos últimos tempos.

Porém, tal como o lúcido Martin Wolf o assinala também no Financial Times (ver link aqui), o panorama prospetivo permanece contraditório. Às melhores perspetivas macroeconómicas juntam-se interrogações essencialmente determinadas pela caixa de surpresas que a governação Trump pode representar, pelas instabilidades políticas que poderão observar-se na zona Euro em sucessivas eleições de 2017, pela ameaça do terrorismo e pela eventualidade de um choque associado a perturbações possíveis da economia chinesa (reais apesar de menos prováveis nos tempos que correm) e que podem vir associadas a uma possível guerra comercial com a América de Trump.

Apesar das melhorias de recuperação observadas nas economias avançadas (veremos se a variação inflacionária registada em dezembro significa algo de sustentado), é curioso que persistam reservas essencialmente determinadas pela possível quebra da taxa de inovação nessas mesmas economias. Dir-se-ia que o livro de Robert Gordon sobre o relativamente dececionante desempenho tecnológico da economia americana, sobretudo em termos do crescimento da produtividade, calou fundo nos estudiosos do crescimento.

Sempre acreditei que as ideias são como as cerejas e que nestas matérias quando mergulho na pesquisa brotam sempre novas ideias que vêm consolidar ideias anteriores ou então sugerir convincentes mudanças de direção. Um conjunto relevante de economistas americanos, três de Stanford e outro do MIT, acabam de publicar no National Bureau of Economic Research (NBER) (ver link aqui) investigação preliminar muito relevante para compreendermos as interrogações em torno de um possível choque tecnológico de amortecimento do ritmo de inovação. Nesse grupo, destaca-se Charles I. Jones o economista que conjuntamente com Paul Romer devemos a investigação empírica mais sólida sobre as relações entre a inovação tecnológica e a economia das ideias.

Muito na linha dos trabalhos anteriores de Romer, na perspetiva da economia das ideias o crescimento económico é visto como sendo o resultado de dois fatores multiplicativos, adicionáveis por conseguinte em termos de ritmos de variação. As variáveis são a produtividade das ideias valorizáveis economicamente (ou seja a investigação suscetível de ter uma translação em termos de criação de valor) e o esforço de investigação realizado, medindo este último pelo número de investigadores afetados a essa mesma investigação. Ou seja, um indicador de output (as ideias produzidas) e um indicador de input (os recursos alocados a essa mesma investigação).

Os quatro economistas reúnem evidência preciosa para mostrar que o crescimento económico relativamente moderado que tem vindo a concretizar-se é fruto de uma quebra com algum significado na produtividade das ideias valorizáveis economicamente ligeiramente compensada pelo aumento do esforço de investigação.

Há um exemplo conhecido de muitos, particularmente dos engenheiros, que ilustra preciosamente esta ideia. A lei de Moore, devida ao fundador da INTEL, diz-nos que a número de transístores compactados num chip de computador duplica de dois em dois anos. A lei é mais uma regularidade empírica do que uma lei geral. Mas o que é impressionante é que para assegurar a duplicação dessa compactação são hoje necessários 75 vezes mais investigadores do que o eram nos anos 70. A isto chama-se aumento do esforço de investigação para assegurar o mesmo output tecnológico, o que significa que a produtividade das ideias que suportam a lei de Moore está a diminuir consideravelmente. O artigo acrescenta outras evidências segundo as quais a produtividade das ideias terá diminuído na economia americana desde 1930 a um ritmo de cerca de 5% ao ano. Importante e música celestial para a tese de Robert Gordon. Os resultados da investigação são ainda consistentes mesmo que se estabeleça a distinção entre ideias que aperfeiçoam e melhoram a eficiência de tecnologias já existentes (por exemplo, melhoria dos motores diesel dos automóveis) e ideias que produzem variedades totalmente novas de tecnologias, por exemplo os motores elétricos. Compreende-se que, no primeiro caso, os constrangimentos de produtividade possam ser mais salientes, pois os rendimentos decrescentes das tecnologias existentes impõem algum respeito. Mas mesmo que a inovação resultasse apenas de novas variedades de tecnologias a quebra de produtividade seria relevante.


Resumindo, para além das ameaças da instabilidade política, o crescimento económico aparece ameaçado a prazo pelas interrogações que pairam sobre o ritmo da inovação nas economias avançadas. Recordemos que um menor ritmo de inovação nas economias da fronteira tecnológica significará menor potencial de encurtamento de distância por parte das economias emergentes, pois a capacidade de “catching-up” destas últimas depende do ritmo que o progresso técnico assume nos países que o lideram. Até aqui o esforço de investigação tem compensado ligeiramente a quebra de produtividade das ideias. Mas isso tem limites, um dos mais relevantes sendo a concentração das atividades de investigação em empresas de grande escala. Conversa para outros posts.

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