terça-feira, 10 de janeiro de 2017

MÁRIO SOARES, NA HORA DO ADEUS


Segundo dos três dias de luto oficial decretados pelo Estado Português em memória de Mário Soares, este o da cerimónia solene em sua honra e do funeral. Ontem ao final da tarde, passei pelos Jerónimos e por lá fiz a minha muito própria e sentida despedida. Como é óbvio, também cumprimentei a família e os amigos mais próximos e tive o grato consolo de ouvir da boca da Isabel um comovido “ele gostava muito de vocês”. E nós dele, bem entendido!

As lembranças e as marcas pessoais sucedem-se em catadupa na minha cabeça. Como aquele longínquo almoço de professores universitários no Mosteiro de Santa Clara em que todos tivemos de esperar meia hora mais pelo arrozinho malandro a que reclamava o direito. Ou como aquelas recorrentes conversas na Fundação – por vezes antecedidas de telefonemas da Osita a convocar-me para aparecer –, em que me ia contando, relatando, confidenciando, explicando e ensinando mas sempre insistindo em perguntar sobre o que eu achava de como ia a economia portuguesa e mundial. Ou como aqueles muitos momentos inesquecíveis de campanha política em que lateral e solidariamente participei ao seu lado, eu que me orgulho de ter feito parte ativa dos três MASP’s. Ou como aqueles jantares em sua casa em que tanto se me tornavam evidentes as cumplicidades e as diferenças existentes entre ele e Maria Barroso. Ou como aquele especialíssimo jantar no Vau e aquele último almoço a sós no Zambeze, quando a debilidade física e intelectual já era bem visível. Ou como aquela noite de 6 de novembro de 2015 em que pela primeira vez percebi que partia ao querer dispensar a envolvente política de uma entrevista de António Costa ao “Jornal da Noite” em favor de um convívio mais aconchegado com quem por ali o rodeava.

Claro que é a Liberdade que Portugal deve, antes de mais, a Mário Soares. Mas, se for descendo até ao mais fino de toda a sua vida política, não consigo ainda hoje vislumbrar que ele tenha cometido qualquer erro essencial, nem mesmo nas últimas e incompreendidas lutas que abraçou contra a opinião de maiorias ruidosas e elites politicamente corretas e perante a recusa de quem não lho podia nem devia fazer. Porque Soares foi notável sempre, quer durante a Ditadura quer em todo o período posterior ao 25 de Abril – como nas opções corajosas de 1975, naquela imensa entrevista com Cunhal, nos tempos do “socialismo na gaveta”, no combate ao “eanismo”, na escolha visionária e inabalável da aproximação europeia, na primeira campanha presidencial, nas permanentes posições partidárias que foi assumindo, limitando-me aos factos mais mediaticamente referenciados –, mas importará inclusivamente sublinhar que Soares foi também um sinalizador histórico intransigente quando fez questão de deixar claro que nada, rigorosamente nada, o podia ficar a ligar ao cavaquismo governativo ou presidencial e à cedência em relação a princípios férreos de defesa do interesse maior da sua Pátria.

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