sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

A TRAMPA FINANCEIRA




(Como eu entendo os desabafos amargos de Pacheco Pereira em relação a todo o imbróglio em torno do sistema financeiro, mas o que mais me impressiona é a rapidez com que “competências” até agora intocáveis vão caindo como tordos atingidos por atiradores furtivos, senão em desgraça, pelo menos enrolados no erro e no seu contrário, a incompetência)

Bem podem as empresas pugnar por uma presença mais resiliente na economia global de todas as incertezas, explorar novos mercados com imaginação e persistência. Bem podem os sistemas de incentivos disponibilizados pelo Portugal 2020 tentar estimular investimento empresarial, fundamental para um novo fôlego de exportações, concretizado não apenas com aproveitamento de capacidade produtiva não utilizada. Bem pode o ministro Vieira da Silva criar condições para alguma acalmia na contratação coletiva, oferecendo alguma coisa aos empresários para consolidar confiança e sustentar emprego. Bem podem prosseguir os esforços de muitos para transferir e valorizar conhecimento científico e tecnológico. Bem pode a criatividade dos start-up’s digitais e tecnológicos ir disseminando uma nova cultura de empreendimento, capaz de atrair investimento internacional. Tudo isso é relevante e necessário para ir criando uma lufada de ar fresco no sistema produtivo nacional, rejuvenescendo-o, diversificando-o. Mas parece que continuamos suspensos de uma espada qualquer que cortará rente todas as promessas do rejuvenescimento e da inovação e essa espada é a trampa do sistema financeiro.

Os novos desenvolvimentos da Caixa Geral de Depósitos e da experiência algo patológica em torno da venda do Novo Banco vão-nos moendo a paciência e suscitando de novo a sensação de que alguém nos irá ao bolso, de que estamos a ser cobaias de negociadores de pacotilha (alguém me explica o que é que Sérgio Monteiro, o amigo de Mangualde de Jorge Coelho, anda a fazer em todo o processo de venda do Novo Banco?) e de instituições europeias aos bonés, encantados por experimentar estas matéria com uns tipos pacíficos da ponta ocidental.

Na Caixa Geral de Depósitos, valha-nos isso, António Domingues lá conseguiu uma saída de elegância no meio de todo este processo. Centeno e o ministério das Finanças têm conseguido algo de espantoso que é com o seu desatino conseguir que o PSD seja aliviado da sua enorme responsabilidade por inação em todo o processo da Caixa, abrindo brecha após brecha numa solução que globalmente foi vitoriosa para o atual governo.

Quanto ao Novo Banco, a dimensão dos erros é calamitosa. Tenho informações que a operação corrente do banco continua a ser bem recebida pelas empresas que se mantiveram na alçada do crédito por ela concedido. Não se entende que razões são invocadas pelos potenciais candidatos à sua compra para justificar a necessidade de garantias do Estado, aparentemente recusadas pelo governo de candeias às avessas com o Banco de Portugal. Serão os riscos de não venda aos valores de balanço da caterva de ativos que não se entende o que estão a fazer no balanço de um banco que determinam essa exigência? Ou serão imparidades que foram alocadas ao banco bom numa pressa executória e que melhor estariam se tivessem sido afetadas ao banco mau?

O sistema financeiro vai matando uma a uma as competências iluminadas e tão apreciadas pelo jornalismo económico deste país. A situação degradou-se tanto que até um José Maria Ricciardi aparece tal qual virgem donzela a denunciar o descalabro da aceitação de venda do Novo Banco a um fundo de investimento imobiliário especializado em ganhar dinheiro com instituições em dificuldades. O processo é destruidor. A elite financeira anda pelas ruas da amargura. No meio desta tempestade de incompetência poucos se salvarão e, se nos forem ao bolso, os problemas da arbitragem no futebol serão uma história de criancinhas quando comparados com o repúdio que tal situação pode provocar na população cansada de colmatar erros alheios com os seus salários ou pensões. Lembro-me agora que talvez apenas Miguel Cadilhe esteja resguardado de toda esta obsolescência acelerada de elites. Chapéu para ele.

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