sábado, 14 de janeiro de 2017

O SUICIDA + 30%




(O taticismo potencialmente suicidário de Passos Coelho pode ter várias leituras, mas o que mais me intriga é tal estratégia continuar a merecer o apoio interno da maioria do eleitorado do PSD …)

Não conheço ninguém com um pouco de inteligência e lucidez que não se arrepie com o taticismo politiqueiro de Passos Coelho e do PSD a propósito do acordo conseguido em sede de concertação social. É de facto obra no espaço de um mês mudar de posição ao sabor do vento das conveniências, certamente inspirado pela recordação nostálgica da coligação negativa que determinou a queda do governo de Sócrates na Assembleia da República, na antecâmara do resgate da economia portuguesa. É obra, sobretudo porque precipitar uma tomada de posição sem que o assunto esteja agendado no parlamento equivale a vontade de fazer sangue antes da consumação do crime.

Já aqui mencionei que não sou um fervoroso adepto da solução encontrada pelo Governo de através de uma redução da TSU compensar nas empresas a subida do salário mínimo. Mas a minha posição não se confunde em termos de argumentação com as posições do PCP e do Bloco de Esquerda. Entendamo-nos. Para muitas empresas, incluindo uma vasta franja da frágil economia social, a subida do salário mínimo constitui um constrangimento com algumas proporções. No contexto atual, a consolidação da recuperação económica do país exige condições de retoma do investimento empresarial, sem a qual tudo continuará a ser frágil e vulnerável. Por isso, a ideia do Governo de acompanhar a negociação do aumento do salário mínimo com um conjunto de compensações negociadas com o universo dos empregadores é lúcida e justifica-se pela necessidade imperiosa de criar condições para o crescimento do investimento empresarial, não esquecendo que há variáveis de entorno externo que o Governo de uma pequena economia como a nossa não pode aspirar influenciar. O que entendo é que provavelmente haveria outras vias a explorar para recuperar essa confiança em contexto de aumento de salário mínimo do que a solução da descida da TSU, se não fora por outros motivos pela dimensão simbólica da TSU na política recente portuguesa. O Ministro Vieira da Silva compreendeu a importância do tema, embora possa ter deduzido que negociações de outra natureza seriam mais longas, envolveriam outras esferas da atividade do Governo e por isso concentrou-se na matéria que poderia influenciar mais decisivamente.

Que o PCP e o Bloco de Esquerda nunca compreenderão a necessidade de criar condições para a retoma do investimento empresarial privado não me espanta. O problema dessa esquerda é esse mesmo, para ela o investimento privado é dispensável e o seu conceito de regulação do mesmo confunde-se com o seu atrofiamento. Só o PS pode preencher esse espaço, embora neste caso me pareça que se anularam precocemente outras soluções que poderiam assegurar compensações ao setor empregador para o aumento do salário mínimo.

Há uma outra matéria que tem estado fora da discussão e em torno da qual tudo está concentrado em torno de desinformação quanto baste. O que está em discussão exigiria que tivéssemos em cima da mesa uma leitura rigorosa da incidência do salário mínimo na estrutura salarial para compreendermos objetivamente quem lucraria com a compensação da TSU. Por exemplo, se chegarmos à conclusão que a economia social é um dos exemplos de maior impacto do aumento do salário mínimo então dada a sua dimensão seria possível muito provavelmente encontrar mecanismos de compensação segmentados.

Em todo este processo, o que não se compreende é o taticismo politiqueiro de Passos Coelho. Esse taticismo pode ter várias leituras. Uma delas é o facto de se tratar de uma reação de fim de linha. Vale tudo quando o barco está a afundar. A minha leitura é mais nociva do que esta. O problema é que Passos é mesmo assim. De emblema na lapela e com pose pressupostamente de Estado o que temos é um líder fraco, formado nas cogitações taticistas e de aparelho e, por isso, a mudança de opinião em termos de catavento, o oportunismo político de circunstância, fazem parte desse lastro de formação política. Não dará para mais. E o mesmo é extensivo a um conjunto vasto de personalidades. É só olhar para a bancada parlamentar do PSD e imaginar o conteúdo que poderia ser espremido a partir de tais personalidades. Pouco sumo, muita esperteza política de curto prazo.

O velho PSD arrasa certamente Passos. O artigo do meu amigo José Silva Peneda hoje no Público é desse calibre. Outras velhas elites do PSD dirão o mesmo, já me dispenso de referir Pacheco Pereira, pois é conhecida a ideia desvalorizada que ele tem do líder atual do PSD.

Mas não é isso que me intriga. O que me intriga é que, perante este descalabro e este catavento, o PSD mantenha no eleitorado de sondagens percentagens em torno dos 30%. Esse número é que me preocupa. Ele mostra que há eleitorado para bater palmas ao taticismo político mais rudimentar, cavalgando ondas das mais insólitas, conduzindo o eleitorado a comportamentos que não podem deixar de produzir efeitos nas restantes forças políticas em matéria de desvario.

Resumindo, gostaria de acreditar que o comportamento de Passos é equivalente a desespero de fim de linha. Mas não estou disso convencido. O que significa que a preocupação deve ser maior.

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