(Este gráfico de autoria de Autor, Dorn e Hanson (2013), "The China Syndrome: Local Labor Market Effects
of Import Competition in the United States" é talvez dos gráficos mais discutidos nos EUA: no eixo do lado esquerdo, mede-se a penetração das importações chinesas nas importações americanas e no eixo do lado direito a evolução do peso da população empregada na indústria transformadora)
of Import Competition in the United States" é talvez dos gráficos mais discutidos nos EUA: no eixo do lado esquerdo, mede-se a penetração das importações chinesas nas importações americanas e no eixo do lado direito a evolução do peso da população empregada na indústria transformadora)
Parece ser evidente que a social-democracia e a esquerda em geral não prestaram
a devida atenção à representação dos interesses de quem perdeu o emprego e
busca desesperadamente uma alternativa. Essa falta de atenção ou de sensibilidade
foi preenchida por outras representações políticas, designadamente da direita,
veja-se por exemplo a penetração de Marine Le Pen em zonas industriais do norte
de França (Calais, por exemplo) e a vitória de Trump em estados americanos com
forte recuo do emprego na indústria transformadora.
A destruição de emprego na indústria transformadora não tem uma explicação
acessível e unificada.
Uma das origens dessa destruição prende-se com fenómenos conjunturais em
que a procura de alguns produtos cai bruscamente por efeitos da crise económica.
É talvez a modalidade menos lesiva do emprego do ponto de vista da sua sustentação
em períodos longos. Se se tratar de ramos de atividade não fortemente atingidos
por quebras tendenciais de procura, a recuperação económica tende a repor os níveis
de emprego, embora não trazendo necessariamente para o emprego aqueles que o
perderam na sequência desse choque conjuntural.
Porém, não é esta a modalidade mais relevante de destruição de emprego na indústria
transformadora. O populismo de direita e, sejamos rigorosos, também algum
populismo de esquerda, tendem a considerar frequentemente que essa destruição se
explica pelas incidências da globalização, leia-se a deslocalização da produção
para territórios em que essa produção pode ser concretizada a custos mais
baixos. Este debate esteve aceso nos EUA e há razões para defender que a
abordagem de Trump ao problema, impedindo discriminatoriamente algumas dessas
deslocalizações, ou pelo menos reduzindo a sua abrangência em termos de postos
de trabalho, não constitui a solução mais positiva para o conjunto da
sociedade. Em primeiro lugar, essa dinâmica contraditória de deslocalização e perdas
de empregos acaba por resumir a história do comércio internacional, nas suas
sucessivas ondas de chegada à exportação de produtos manufaturados de novos países,
explorando a mutação industrial observada nos países mais avançados que vão
explorando novas frentes de especialização. Para além disso, estudos desenvolvidos
sobre a economia americana mostram que os efeitos da globalização na destruição
de empregos manufatureiros é indissociável da evolução do progresso técnico e
que esta última acaba por explicar uma percentagem mais significativa da
destruição de emprego do que propriamente a deslocalização em contexto de
globalização.
O tema da influência do progresso técnico na destruição de emprego é tema
para vários posts e apresenta níveis de tecnicidade que transcendem a modéstia
deste espaço de opinião.
Em primeiro lugar, não podemos ignorar que, regra geral, a inovação tecnológica
não é neutral do ponto de vista da relação entre os fatores de produção,
designadamente da intensidade relativa em trabalho dos processos produtivos em
que o progresso tecnológico acontece. É, aliás, conhecida de todos a ideia de que
o progresso técnico contemporâneo tem um enviesamento em termos de qualificações
(skill bias). Isto é, tende a favorecer
as qualificações mais elevadas, o que desde logo representa uma ameaça para o
emprego de menor intensidade em qualificações. Uma grande parte do desemprego
de longa duração que se encontra nos registos dos sistemas públicos de emprego deve-se
a esse enviesamento. Há, como é óbvio, a ladainha da formação e da reciclagem
das pessoas, mas tem limites como infelizmente muitos dos DLD sabem por experiência
própria, sendo de uma violência inaudita obrigá-los a ouvir vezes sem conta essa
ladainha.
Mas há uma ameaça transversal ao emprego que resulta da combinação entre aumentos
de produtividade e comportamento da procura de produtos manufatureiros. Embora
possa dizer-se que as economias avançadas vivem uma crise de produtividade, não
é de declínio da mesma que se trata. É antes de um crescimento moderado que se
quer destacar quando se fala de crise da produtividade. Ora, perante um aumento,
mesmo que anémico, da produtividade, isso significa que o mesmo volume de produção
pode ser obtido com recurso a menos trabalho, ignorando por agora o tema do skill bias. Nada acontecerá ao emprego
se as condições de procura do setor ou do produto em questão forem de molde a justificar
investimento que pretenda responder a aumentos de procura (global, isto é
referenciada à economia mundial). Ora, se estivermos perante produtos com queda
tendencial de procura, o que acontece para uma faixa significativa de produtos
que não respondem a aumentos de rendimento das famílias, a destruição de
emprego é inevitável e a reafetação do desemprego terá de ser procurada em setores
de procura mais favorável. Não podemos ignorar que a melhoria das condições de
pobreza e a emergência das classes médias nas economias emergentes constituem
um reforço potencial de procura para muitos produtos que tinham a sua procura tendencialmente
ameaçada nas economias avançadas.
Não é por acaso que, na grande maioria das economias avançadas, a começar
pela economia dos EUA, a indústria transformadora apresenta um quota
relativamente estável em termos de produto, embora veja a sua quota de emprego
diminuir expressivamente. Aliás, como o assinala David Dollar no Brookings, a
queda da quota de emprego na indústria transformadora é tão visível em
economias externamente deficitárias, como os EUA, como em economias com
excedentes comerciais externos como a Alemanha.
Resumindo, não há razões plausíveis para que o progresso técnico seja
hostilizado. Aliás, se o fosse, isso destruiria expectativas de emprego a quem
realiza investimentos pessoais e familiares avultados em termos de formação e
capital humano e uma grande parte dos jovens mais qualificados veria defraudadas
as suas aspirações. Mas o progresso técnico não é neutro em termos de emprego. É
com essa contradição que o capitalismo tem vivido. O que parece preocupante é que
o investimento privado parece não revelar intenções e energia suficientes para
compensar por via da procura o facto de ser possível produzir o mesmo com menos
trabalho.
Sem comentários:
Enviar um comentário