domingo, 15 de janeiro de 2017

PORQUE DESCE O PESO DO TRABALHO NO RENDIMENTO NACIONAL?

(Cálculos próprios a partir de AMECO - CE: http://ec.europa.eu/economy_finance/ameco/user/serie/ResultSerie.cfm


(Ainda essencialmente à boleia do debate iniciado na economia americana, vale a pena registar novas perspetivas sobre o tema, a pensar em aplicação futura ao caso português…)

A minha formação em matéria de crescimento económico e também a minha prática letiva inicial fizeram-se com a explicitação de uma regularidade do crescimento económico a longo prazo, que faz parte do conjunto de factos estilizados designados de Kaldor em homenagem ao economista Nicholas Kaldor que estudou proeminentemente esses dados. Essa regularidade diz-nos (dizia-nos, melhor dizendo) que o peso das remunerações do trabalho no rendimento nacional tende a ser constante a longo prazo. Ser constante a longo prazo não significa que esse valor não varie. Tão só nos pretende dizer que essa variável tenderá a oscilar em torno de um valor de referência pressupostamente constante.

Tal como outros “factos estilizados de Kaldor” têm sido questionados pelo comportamento mais recente do crescimento económico, a constância do peso das remunerações do trabalho no rendimento nacional tem sido objeto de generalizada contra-evidência, a qual anota que aquela variável tem vindo a descer sistematicamente na última década e meia na economia americana.

Como seria de esperar, quando um facto estilizado é questionado, emerge regra geral forte controvérsia sobre os fatores estruturais que explicarão essa viragem. O debate tem dimensões, entre outras, de alguma tecnicidade que irei compreensivelmente ignorar. Problemas como a medida do capital residencial e do capital mais intangível (ideias e software) e a descida do preço relativo do capital estão nesse campo da controvérsia. Há também quem invoque o tema dos choques de importação, dada a internacionalização do mercado interno das principais economias avançadas.

Entretanto, acaba de ser publicada investigação muito recente, assinada por gente que me merece a máxima atenção dada a relevância de outros contributos que esse grupo de economistas americanos nos tem oferecido em matérias ligadas com a transformação estrutural dos mercados de trabalho das economias mais avançadas: é o caso de David AUTOR, David DORN e Lawrence KATZ, aos quais se juntam agora Christina PATTERSON e John Van REENEN (ver link aqui).

Segundo esta investigação bem “fresquinha”, a queda do peso das remunerações do trabalho dever-se-ia essencialmente a uma transformação da estrutura empresarial de diversos setores de atividade económica (indústria e serviços), segundo a qual a concentração crescente e os ganhos de quota de mercado de empresas com quotas de emprego mais baixa e em declínio progressivo teriam peso explicativo. Os economistas americanos designam esta interpretação de modelo da empresa “super star”, segundo o qual a competitividade de uma ou de um grupo restrito de empresas pode consumar-se com um aumento substancial da sua quota de mercado.

É por isso uma explicação que valoriza a heterogeneidade empresarial na indústria e nos serviços através do fenómeno da concentração empresarial. Sem querer entrar em pormenores de grande tecnicidade, os autores associam a queda do peso do emprego a dois possíveis processos: o aumento da margem de lucro em função da dimensão da concentração e a presença de uma percentagem de trabalho fixa relativamente à componente de trabalho variável em função da dimensão.

As evidências apresentadas para a economia americana são robustas, mostrando que os níveis de concentração variam solidamente com a queda do peso do trabalho, com foco principal no período de 2007 a 2012 que faz já parte do período que gerou a controvérsia acima referida. O que estes resultados nos mostram é que não é a descida do peso do trabalho no interior de todas as empresas que explica o fenómeno, mas antes a reafectação do trabalho para empresas com pesos do trabalho mais baixos e em declínio progressivo.

Confesso que me interessam bastante as abordagens da heterogeneidade empresarial dos universos industriais e dos serviços. A investigação de AUTOR e parceiros é promissora e aguça o apetite e o engenho para a aplicar ao caso português que pode não a refletir, dado o nosso mais incipiente grau de concentração empresarial. Mas que o peso das remunerações do trabalho no rendimento nacional caiu acentuadamente nos últimos anos disso não tenho dúvidas (veja-se o gráfico que abre este post).

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