(Cálculos próprios a partir de AMECO - CE: http://ec.europa.eu/economy_finance/ameco/user/serie/ResultSerie.cfm
(Ainda
essencialmente à boleia do debate iniciado na economia americana, vale a pena registar
novas perspetivas sobre o tema, a pensar em aplicação futura ao caso português…)
A minha formação em matéria de crescimento económico e também a minha prática
letiva inicial fizeram-se com a explicitação de uma regularidade do crescimento
económico a longo prazo, que faz parte do conjunto de factos estilizados designados
de Kaldor em homenagem ao economista Nicholas Kaldor que estudou proeminentemente
esses dados. Essa regularidade diz-nos (dizia-nos, melhor dizendo) que o peso das
remunerações do trabalho no rendimento nacional tende a ser constante a longo
prazo. Ser constante a longo prazo não significa que esse valor não varie. Tão
só nos pretende dizer que essa variável tenderá a oscilar em torno de um valor
de referência pressupostamente constante.
Tal como outros “factos estilizados de Kaldor” têm sido questionados pelo
comportamento mais recente do crescimento económico, a constância do peso das
remunerações do trabalho no rendimento nacional tem sido objeto de generalizada
contra-evidência, a qual anota que aquela variável tem vindo a descer
sistematicamente na última década e meia na economia americana.
Como seria de esperar, quando um facto estilizado é questionado, emerge
regra geral forte controvérsia sobre os fatores estruturais que explicarão essa viragem. O
debate tem dimensões, entre outras, de alguma tecnicidade que irei
compreensivelmente ignorar. Problemas como a medida do capital residencial e do
capital mais intangível (ideias e software) e a descida do preço relativo do
capital estão nesse campo da controvérsia. Há também quem invoque o tema dos choques
de importação, dada a internacionalização do mercado interno das principais economias
avançadas.
Entretanto, acaba de ser publicada investigação muito recente, assinada por
gente que me merece a máxima atenção dada a relevância de outros contributos
que esse grupo de economistas americanos nos tem oferecido em matérias ligadas
com a transformação estrutural dos mercados de trabalho das economias mais avançadas:
é o caso de David AUTOR, David DORN e Lawrence KATZ, aos quais se juntam agora Christina
PATTERSON e John Van REENEN (ver link aqui).
Segundo esta investigação bem “fresquinha”, a queda do peso das remunerações
do trabalho dever-se-ia essencialmente a uma transformação da estrutura
empresarial de diversos setores de atividade económica (indústria e serviços),
segundo a qual a concentração crescente e os ganhos de quota de mercado de
empresas com quotas de emprego mais baixa e em declínio progressivo teriam peso explicativo. Os
economistas americanos designam esta interpretação de modelo da empresa “super
star”, segundo o qual a competitividade de uma ou de um grupo restrito de
empresas pode consumar-se com um aumento substancial da sua quota de mercado.
É por isso uma explicação que valoriza a heterogeneidade empresarial na indústria
e nos serviços através do fenómeno da concentração empresarial. Sem querer entrar
em pormenores de grande tecnicidade, os autores associam a queda do peso do
emprego a dois possíveis processos: o aumento da margem de lucro em função da dimensão
da concentração e a presença de uma percentagem de trabalho fixa relativamente à
componente de trabalho variável em função da dimensão.
As evidências apresentadas para a economia americana são robustas,
mostrando que os níveis de concentração variam solidamente com a queda do peso
do trabalho, com foco principal no período de 2007 a 2012 que faz já parte do
período que gerou a controvérsia acima referida. O que estes resultados nos
mostram é que não é a descida do peso do trabalho no interior de todas as empresas
que explica o fenómeno, mas antes a reafectação do trabalho para empresas com pesos
do trabalho mais baixos e em declínio progressivo.
Confesso que me interessam bastante as abordagens da heterogeneidade empresarial
dos universos industriais e dos serviços. A investigação de AUTOR e parceiros é
promissora e aguça o apetite e o engenho para a aplicar ao caso português que
pode não a refletir, dado o nosso mais incipiente grau de concentração empresarial.
Mas que o peso das remunerações do trabalho no rendimento nacional caiu acentuadamente
nos últimos anos disso não tenho dúvidas (veja-se o gráfico que abre este post).
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