(Este tipo de
indicadores vale o que vale, não podem ser ignorados os seus limites, mas não virá nenhum mal ao mundo se
procurarmos uma narrativa para integrar os seus resultados)
O INE acaba de publicar os inquéritos de conjuntura às empresas e aos
consumidores, com data de dezembro de 2016. Não houve meio de comunicação que
se preze que não tivesse acusado a publicação, com os jornalistas sedentos de
encontrar nos resultados louvores ou reprimendas ao governo em funções.
Tem sobretudo interesse a comparação entre o indicador de clima económico,
no qual se analisa a confiança na indústria transformadora, na construção civil
e obras públicas, no comércio e nos serviços, e o indicador de confiança dos
consumidores.
Estes dois indicadores apresentam resultados diferenciados, embora com
moderada divergência. O indicador de clima económico revela no último trimestre
de 2016 um ligeiro agravamento, que é devido sobretudo ao pessimismo revelado
pelos empresários dos setores da construção civil e obras públicas e do
comércio, que superou a melhoria de perspetivas registadas na indústria
transformadora e nos serviços. Os valores encontrados não exigem uma narrativa
de rotura. São sobretudo compreensíveis do ponto de vista do afundamento da
construção civil, no âmbito da qual dizia há dias o Engº António Mota
responsável da Mota-Engil que o setor não existe a nível nacional. Os sinais de
alguma recuperação observada a nível urbano em matéria de renovação de habitações
atinge um tecido empresarial de muito pequena dimensão que não é seguramente
inquirido. Essa maior intensidade de trabalho na pequena escala da renovação é
totalmente esmagada pela hecatombe das obras públicas e das grandes
infraestruturas em geral, cuja reanimação por via dos apoios Portugal 2020
tenderá provavelmente a influenciar o indicador apenas no segundo e terceiro
trimestres. Na verdade, em matéria de atrasos de execução de Fundos Estruturais
na variável investimento há um completo mistério de entupimento burocrático a
perturbar todas as boas intenções do Ministro Pedro Marques. Mas talvez o
mistério mais profundo seja o ainda não reatado programa JESSICA, pelo qual a
existência de instrumentos financeiros a contratualizar com a banca constitui
uma oportunidade de apoiar o investimento privado. Tenho informações de que
alguma banca, com experiência de intervenção no JESSICA do último período de
programação, há perplexa com os atrasos de lançamento do novo programa e não se
compreende como politicamente o problema ainda não suscitou qualquer atenção,
sobretudo quando o primeiro-Ministro se farta de apresentar a renovação urbana
como uma fonte de investimento a apoiar. Mistérios que a competência política
deveria resolver. Tenho para mim que a construção civil jamais atingirá o
estado de graça em que se movimentou na década de 2000, o que não significa
extinção de espécie. Significaria tão só uma mudança saudável de perfil de
especialização da economia portuguesa acaso os setores emergentes da mudança estivessem
a cumprir o seu papel de novidade.
Narrativa mais difícil de construir é a do comércio, cuja diminuição de
expectativas respeitante a atividade futura e evolução de stocks é difícil de explicar com o turismo a bombar nas principais
cidades e o indicador de confiança de consumidores em alta. O comportamento do
comércio contrasta com o dos serviços, podendo sugerir alguma dualidade entre
tradição (comércio) e modernidade (serviços), mas os dados do INE não permitem
ir tão longe. Já o comportamento em alta das expectativas da indústria
transformadora traduz algum conforto, embora não seja suficiente para evitar a
deterioração do clima de confiança económica no último trimestre.
O dado mais impressivo do inquérito de conjuntura do INE é o elevado valor
atingido pelo indicador de confiança dos consumidores, o qual atinge o valor
máximo captado pelo INE desde 2000. A narrativa do INE reforça a tónica da
melhoria de expectativas em termos de desemprego (veja-se o gráfico abaixo)
como o fator mais relevante para explicar a confiança dos consumidores. Mas
penso que o resultado obtido em matéria de reposição de rendimentos pesa na
melhoria das expectativas dos consumidores.
Com o modelo de recuperação económica em que o país está envolvido, é
seguramente confortável a confiança dos consumidores estar em alta. É sobretudo
um conforto para as atividades mais diretamente dependentes do mercado interno,
embora não possamos enjeitar a ideia de que essa confiança pode significar
também mais importações. Mas com as exigências de crescimento económico que a
economia portuguesa enfrenta, a confiança conjuntural de consumidores não é
exatamente o fator primordial de que esse crescimento necessita. Mas ajuda.
Porém, são as expectativas de investimento empresarial que temos de
monitorizar. Aí se jogará um novo ciclo de crescimento de exportações puxado
pelo investimento e não apenas pela engenhosa e conseguida busca de mercados
para utilização de capacidade produtiva disponível e não utilizada. Essa
narrativa é mais rigorosa e é ela que deve ser trabalhada, a vários níveis.
Sem comentários:
Enviar um comentário