sábado, 28 de janeiro de 2017

O FUTURO DA GERINGONÇA




(Dois orçamentos aprovados, reposição de normalidades passadas, contenção orçamental algo maquilhada e com danos colaterais evidentes mas eficaz, alguns percalços superados a custo, efeito surpresa garantido a nível interno e externo, mas será do interesse das forças políticas à esquerda pesar bem as fragilidades insanáveis do acordo parlamentar)

Como me dizia há dias amigo próximo, em pleno turbilhão da malfadada TSU, um ano já cá canta em termos de distensão política e de ar mais respirável e o que é inquestionável é que o quadro das combinações políticas de âmbito parlamentar foi seriamente abanado, desfeito que está o tabu de que a esquerda não se entendia. Mas Pacheco Pereira tem razão quando alerta as três forças políticas, sobretudo o PCP e o Bloco que uma coisa são os pronunciamentos declarativos, outra bem diferente são decisões com implicações diretas e imediatas na governação com o PS ao leme. De facto, PCP e Bloco têm toda a liberdade de se atirar, por exemplo, ao euro, ao fardo da dívida, à inconsistência dos diretórios europeus. Não se lhes vai pedir que atraiçoem o seu ideário. Mas, agora que o PSD descobriu que pode a curto prazo ter êxito com as suas incursões de guerrilha parlamentar, seletiva e imprevisível, aqui e ali facilitada por brechas da governação, qualquer passo infantil da esquerda poderá ter consequências desastrosas pois continuará a enfraquecer o governo.

Como já aqui referi neste espaço de opinião, e não me canso de o salientar, pois a questão é nebulosa para PCP e Bloco e também para algumas franjas internas do próprio PS, o ponto mais frágil da governação atual com apoio parlamentar à esquerda é o da sua dificuldade em criar condições para impulsionar ritmos de crescimento mais elevados. PCP e Bloco atalham o problema invocando o fardo da dívida e a força canibalizadora de recursos alocáveis ao investimento. A redução do serviço da dívida segundo PCP e Bloco criaria por si só melhores condições para o crescimento. Permitam-se discordar com clareza desta tese. Que a redução do serviço da dívida proporcionaria uma margem de manobra orçamental adicional não há dúvida. Mas que essa margem de manobra orçamental se transformasse magicamente em crescimento mais elevado isso não está demonstrado e há até razões para duvidar seriamente que essa fosse a via mais consistente para o concretizar. PCP, Bloco e até o PSD invocam a queda abrupta do investimento público. Com alguma falta de vergonha, o PSD invoca-a panfletariamente indo até aos anos 50 para encontrar um investimento público tão baixo e utiliza-a falaciosamente para criticar a contenção orçamental dos 2,3%. A lata do PSD é inaudita, pois nos três anos da Troika o governo PAF complicou incompetentemente a concretização do Portugal 2020 que é, como toda a gente sabe, o principal alvará para o investimento público, questão que o atual governo está afanosamente a tentar remediar pondo em marcha as contratualizações necessárias. Choca-me ver políticos jovens com algum potencial como António Leitão Amaro em protagonizar alegremente essa guerrilha argumentativa.

 (Helder Oliveira, Expresso)

Mas a questão não é essa. PCP e Bloco exageram na sua convicção de que o investimento público é o passaporte para um maior crescimento. É que, nas condições e estádio de desenvolvimento em que a economia portuguesa se encontra, não basta reanimar o investimento. É necessário que esse investimento contribua decisivamente para a consolidação da mudança estrutural lentamente iniciada pela economia portuguesa na década de 2000. Essa mudança estrutural só efetivamente no plano dos bens e serviços transacionáveis pode ser concretizada. O contributo do investimento público para essa mudança pode ser reduzido. Pode reanimar a construção civil e obras públicas, estimulando as relações intersetoriais que em regra se estabelecem com a construção civil, mas o seu alcance em termos de mudança de perfil de especialização é limitado. Contribuirá para a reanimação de alguns tecidos produtivos locais e regionais, o que não é coisa pouca depois do efeito destrutivo das políticas de austeridade. Mas não é por aí que se consegue a consegue da trajetória para uma produção nacional mais intensiva em tecnologia, qualificações e conhecimento. Isso conquista-se no universo dos bens e serviços transacionáveis e na esfera do investimento empresarial privado.

Por isso, PCP e Bloco podem dar as voltas que entenderem, mas a sua fragilidade é não terem instrumentos para melhorar as condições de formação do investimento empresarial privado, para lá entenda-se dos incentivos e outros estímulos do Portugal 2020. Essa fragilidade é também a fragilidade do acordo parlamentar à esquerda. Se PCP e Bloco não compreenderem esta limitação, a governação PS terá de ir buscar apoio nessa matéria ao PSD e ao PP. Ora estando o PSD em onda de guerrilha parlamentar, a governação atual dificilmente poderá ir além dos compromissos do Portugal 2020. Mas pelas limitações das ajudas de Estado o Portugal 2020 pode enfrentar dificuldades em apoiar empresas e projetos verdadeiramente indutores de uma mudança estrutural, dada a dimensão de apoios anteriormente (noutros períodos de programação) concedidos.

Esta é a principal fragilidade do acordo que suporta o governo de Costa. Não vale a pena dourar a pílula. Entramos em matéria e tempo de filigrana negocial. Haverá por certo formas de apoio ao investimento empresarial indutor de mudança estrutural mais difíceis do que outras de passar pelo crivo ideológico de PCP e Bloco. É dessa filigrana negocial que estou a falar. Mas para isso o próprio PS tem de ter ideias claras, sólidas e com respaldo de todo o partido sobre a matéria. Não estou disso totalmente seguro, mas acho que é possível lá chegar.

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