(Dois orçamentos
aprovados, reposição de normalidades passadas, contenção orçamental algo
maquilhada e com danos colaterais evidentes mas eficaz, alguns percalços
superados a custo, efeito surpresa garantido a nível interno e externo, mas será do interesse das forças políticas à
esquerda pesar bem as fragilidades insanáveis do acordo parlamentar)
Como me dizia há dias amigo próximo, em pleno turbilhão da malfadada TSU, um
ano já cá canta em termos de distensão política e de ar mais respirável e o que
é inquestionável é que o quadro das combinações políticas de âmbito parlamentar
foi seriamente abanado, desfeito que está o tabu de que a esquerda não se
entendia. Mas Pacheco Pereira tem razão quando alerta as três forças políticas,
sobretudo o PCP e o Bloco que uma coisa são os pronunciamentos declarativos,
outra bem diferente são decisões com implicações diretas e imediatas na governação
com o PS ao leme. De facto, PCP e Bloco têm toda a liberdade de se atirar, por
exemplo, ao euro, ao fardo da dívida, à inconsistência dos diretórios europeus.
Não se lhes vai pedir que atraiçoem o seu ideário. Mas, agora que o PSD descobriu
que pode a curto prazo ter êxito com as suas incursões de guerrilha parlamentar,
seletiva e imprevisível, aqui e ali facilitada por brechas da governação, qualquer
passo infantil da esquerda poderá ter consequências desastrosas pois continuará
a enfraquecer o governo.
Como já aqui referi neste espaço de opinião, e não me canso de o salientar,
pois a questão é nebulosa para PCP e Bloco e também para algumas franjas internas
do próprio PS, o ponto mais frágil da governação atual com apoio parlamentar à
esquerda é o da sua dificuldade em criar condições para impulsionar ritmos de crescimento
mais elevados. PCP e Bloco atalham o problema invocando o fardo da dívida e a
força canibalizadora de recursos alocáveis ao investimento. A redução do
serviço da dívida segundo PCP e Bloco criaria por si só melhores condições para
o crescimento. Permitam-se discordar com clareza desta tese. Que a redução do
serviço da dívida proporcionaria uma margem de manobra orçamental adicional não
há dúvida. Mas que essa margem de manobra orçamental se transformasse magicamente
em crescimento mais elevado isso não está demonstrado e há até razões para duvidar
seriamente que essa fosse a via mais consistente para o concretizar. PCP, Bloco
e até o PSD invocam a queda abrupta do investimento público. Com alguma falta
de vergonha, o PSD invoca-a panfletariamente indo até aos anos 50 para encontrar
um investimento público tão baixo e utiliza-a falaciosamente para criticar a
contenção orçamental dos 2,3%. A lata do PSD é inaudita, pois nos três anos da
Troika o governo PAF complicou incompetentemente a concretização do Portugal
2020 que é, como toda a gente sabe, o principal alvará para o investimento público,
questão que o atual governo está afanosamente a tentar remediar pondo em marcha
as contratualizações necessárias. Choca-me ver políticos jovens com algum
potencial como António Leitão Amaro em protagonizar alegremente essa guerrilha
argumentativa.
(Helder Oliveira, Expresso)
Mas a questão não é essa. PCP e Bloco exageram na sua convicção de que o
investimento público é o passaporte para um maior crescimento. É que, nas
condições e estádio de desenvolvimento em que a economia portuguesa se encontra,
não basta reanimar o investimento. É necessário que esse investimento contribua
decisivamente para a consolidação da mudança estrutural lentamente iniciada
pela economia portuguesa na década de 2000. Essa mudança estrutural só
efetivamente no plano dos bens e serviços transacionáveis pode ser concretizada.
O contributo do investimento público para essa mudança pode ser reduzido. Pode
reanimar a construção civil e obras públicas, estimulando as relações intersetoriais
que em regra se estabelecem com a construção civil, mas o seu alcance em termos
de mudança de perfil de especialização é limitado. Contribuirá para a reanimação
de alguns tecidos produtivos locais e regionais, o que não é coisa pouca depois
do efeito destrutivo das políticas de austeridade. Mas não é por aí que se
consegue a consegue da trajetória para uma produção nacional mais intensiva em
tecnologia, qualificações e conhecimento. Isso conquista-se no universo dos
bens e serviços transacionáveis e na esfera do investimento empresarial privado.
Por isso, PCP e Bloco podem dar as voltas que entenderem, mas a sua
fragilidade é não terem instrumentos para melhorar as condições de formação do
investimento empresarial privado, para lá entenda-se dos incentivos e outros estímulos
do Portugal 2020. Essa fragilidade é também a fragilidade do acordo parlamentar
à esquerda. Se PCP e Bloco não compreenderem esta limitação, a governação PS
terá de ir buscar apoio nessa matéria ao PSD e ao PP. Ora estando o PSD em onda
de guerrilha parlamentar, a governação atual dificilmente poderá ir além dos
compromissos do Portugal 2020. Mas pelas limitações das ajudas de Estado o
Portugal 2020 pode enfrentar dificuldades em apoiar empresas e projetos
verdadeiramente indutores de uma mudança estrutural, dada a dimensão de apoios
anteriormente (noutros períodos de programação) concedidos.
Esta é a principal fragilidade do acordo que suporta o governo de Costa. Não
vale a pena dourar a pílula. Entramos em matéria e tempo de filigrana negocial.
Haverá por certo formas de apoio ao investimento empresarial indutor de mudança
estrutural mais difíceis do que outras de passar pelo crivo ideológico de PCP e
Bloco. É dessa filigrana negocial que estou a falar. Mas para isso o próprio PS
tem de ter ideias claras, sólidas e com respaldo de todo o partido sobre a matéria.
Não estou disso totalmente seguro, mas acho que é possível lá chegar.
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