Um survey temático do Economist é sempre um pretexto obrigatório
para parar e pensar. Assim acontece com o número do fim da semana passada dedicado
à aprendizagem ao longo da vida, com uma daquelas capas que valem uma semana de
atenção.
Até agora sabíamos que o progresso tecnológico padece de um traço intrínseco
que em economia da tecnologia e do trabalho se designa geralmente de “skill bias”, ou seja, tende a suscitar o
aumento de procura de novas qualificações, ao mesmo tempo que deixa para trás
as qualificações mais baixas. A convivência com este enviesamento tem por
contrapartida até agora não discutida que a resposta dos indivíduos é o prolongamento
da educação-formação para os que estão em condições de suportar esse custo de
alongar e diferir o momento de aposta na vida ativa, cabendo à formação
profissional e a outras políticas ativas de emprego compensar junto dos menos
qualificados o aumento do gap de qualificações a que estão obviamente sujeitos.
Subjacente a este “skill-bias” claro
que está a interação virtuosa entre inovação e aumento de educação que determinou
períodos de crescimento económico fortemente concentrados nos países que melhor
assumiram essa interação.
Em estreita companhia com a tendência para o aumento dos tempos de acumulação
de educação por parte dos indivíduos surgiu entretanto a ideia da aprendizagem
ao longo da vida, entendida como uma espécie de prolongamento transversal das
necessidades de formação. Porém, à medida que se vai compreendendo melhor o
momento atual da inovação tecnológica com os temas da robotização e inteligência
artificial a gerar processos cada vez mais avançados de automação, surgem evidências
que as conclusões estabelecidas do prolongamento do tempo de educação e a
aprendizagem ao longo da vida podem ser questionadas e suscitar desafios para
os quais precisamos de tempo e de adaptação criativa. O conjunto de artigos que
o Economist dedicou ao tema constitui em meu entender uma das primeiras e bem-sucedidas
tentativas de sistematização das alterações que vivemos, embora a inércia dos slogans modernaços permaneça.
Assim, por exemplo, a peça do Economist
mostra que o propósito da aprendizagem ao longo da vida está longe de
corresponder ao processo idílico que, por exemplo, os folhetos da Comissão
Europeia ou da OCDE pretendem representar, como algo de acessível a todos os
indivíduos. O que o Economist nos diz
é que a aprendizagem ao longo da vida tem vindo a favorecer os mais capazes
aumentando mais do que diminuindo a desigualdade gerada por via das qualificações.
Há várias razões que podem explicar a perversidade de algo apresentado como
gerador de convergência de oportunidades. Em primeiro lugar, não é líquido que
os prolongamentos de educação estejam a dotar os beneficiários com as competências
necessárias para um bom aproveitamento da aprendizagem ao longo da vida. Em
segundo lugar, existe evidência segundo a qual a formação em posto de trabalho
e no interior das empresas está em declínio, apontando o Economist o número de redução para metade nos EUA e no Reino Unido,
o que é assinalável. O crescimento do emprego por conta própria como forma de
adaptação ao mercado de trabalho tende a complicar a questão. Uma das evidências
estatísticas impressionantes revelada pelo Economist é a queda acentuada que experimentou
a intensidade cognitiva média das tarefas desempenhadas por licenciados nos
EUA. O título do post de hoje vem de
uma afirmação do CEO da Manpower: “as
organizações estão a evoluir da criação de talento para o consumo de trabalho”.
Claro que o mercado empresarial compreendeu esta alteração e estão a surgir
ofertas de formação que procuram responder a tal necessidade que o prolongamento
da educação universitária não consegue assegurar. Mas os números disponíveis
mostram que são os mais qualificados que mais recorrem a essa oferta, ajudando
a cavar o fosso de que falava há pouco.
E aqui a peça traz-nos lições importantes, sobretudo para os países que
chegam com atraso às tendências e percursos que outros trilharam. Assim, por
exemplo, um ensino demasiado “vocacional” não é o melhor que pode oferecer-se
hoje para proporcionar a desejada aprendizagem ao longo da vida e a sua
democratização.
Quer isto dizer que estamos em plena transformação da relação inovação-competências-aprendizagem,
navegando ainda à vista e com atenção necessária ao que vai acontecendo na
fronteira tecnológica. É que argumento de que os “seguidores “ têm a vida facilitada
exige cautela. Os que vão à frente estão em profunda mudança e por isso o
estatuto de seguidor não é automático.
Não sei se as Universidades e todo o sistema de educação e formação estão
cientes desta outra forma de precariedade. Mas conviria que estivessem,
sobretudo pensando na escassez de recursos públicos.
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