(Há poucos rostos
marcantes no cinema português e que me identifiquem com ele, a morte de Maria Cabral em Paris, aos 75
anos, recorda-nos como um rosto pode representar algo de mais vasto alcance…)
Não sendo propriamente um filme excecional, o Cerco (1970) de António da Cunha
Telles permanecerá como um dos símbolos do novo cinema português que despertava
por entre a censura e a decadência marcelista. Mas, independentemente da valia
do filme e do que ele representava como possível metáfora da agonia e do
desencanto suscitados pelo regime, o Cerco é para todos o rosto surpresa de
Maria Cabral, vinda do não-cinema, sem qualquer experiência de trabalho
anterior.
Noutro país de produção cinematográfica mais vasta e diversificada, Maria Cabral
teria sido uma Binoche portuguesa, não o foi e dificilmente os outros filmes
que se lhe seguiram, incluindo o segundo com António da Cunha Telles (Vidas,
1984), pouco acrescentaram ao fulgor da sua primeira experiência cinematográfica.
Há casos assim.
A Marta representava uma certa juventude da burguesia de então que
procurava uma outra autenticidade que o clima do regime não permitia. A
vertigem e a desorientação da rotura são irrepreensivelmente captadas pela
fragilidade de Maria Cabral. É espantoso como num rosto se pode concentrar uma
parte considerável da nossa perceção do que foi a evolução irreversível para a
transformação democrática.
Recordem só as primeiras imagens do filme: https://www.youtube.com/watch?v=24n3doXccSE
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