segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

O ROSTO




(Há poucos rostos marcantes no cinema português e que me identifiquem com ele, a morte de Maria Cabral em Paris, aos 75 anos, recorda-nos como um rosto pode representar algo de mais vasto alcance…)

Não sendo propriamente um filme excecional, o Cerco (1970) de António da Cunha Telles permanecerá como um dos símbolos do novo cinema português que despertava por entre a censura e a decadência marcelista. Mas, independentemente da valia do filme e do que ele representava como possível metáfora da agonia e do desencanto suscitados pelo regime, o Cerco é para todos o rosto surpresa de Maria Cabral, vinda do não-cinema, sem qualquer experiência de trabalho anterior.


Noutro país de produção cinematográfica mais vasta e diversificada, Maria Cabral teria sido uma Binoche portuguesa, não o foi e dificilmente os outros filmes que se lhe seguiram, incluindo o segundo com António da Cunha Telles (Vidas, 1984), pouco acrescentaram ao fulgor da sua primeira experiência cinematográfica. Há casos assim.

A Marta representava uma certa juventude da burguesia de então que procurava uma outra autenticidade que o clima do regime não permitia. A vertigem e a desorientação da rotura são irrepreensivelmente captadas pela fragilidade de Maria Cabral. É espantoso como num rosto se pode concentrar uma parte considerável da nossa perceção do que foi a evolução irreversível para a transformação democrática.

Recordem só as primeiras imagens do filme: https://www.youtube.com/watch?v=24n3doXccSE

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