domingo, 29 de janeiro de 2017

DE LONG VERSUS RODRIK




(Em torno da ofensiva movida por Trump ao acordo de comércio livre entre os EUA, o Canadá e o México – NAFTA - está aberto um debate relevante sobre o real impacto do acordo em termos de destruição de emprego na indústria transformadora americana, tanto mais importante quanto ele envolve economistas da envergadura de Brad DeLong e Dani Rodrik)

Em post anterior registei a deriva que uma certa esquerda tem vindo a refletir, aderindo por reflexo condicionado à rejeição global (não confundir com perspetiva crítica dos mesmos) de acordos de comércio livre de âmbito regional. A deriva que essa reatividade condicionada pelas posições de Trump representa tem dado origem, no caso do acordo NAFTA – North American Free Trade Agreement, a uma controvérsia mais localizada. Essa controvérsia alimenta-se da ideia de que o NAFTA pode ser responsável por uma parte não despicienda da destruição de emprego que a economia americana experimentou nas últimas décadas.

O debate sobe obviamente de nível quando estão nele envolvidos economistas da envergadura de Bradford DeLong e de Dani Rodrik, o segundo mais critico do processo de globalização que o primeiro.

Este debate não é indiferente ao modo como a esquerda se deve posicionar face à globalização e aos acordos de comércio internacional livre. A destruição de emprego na indústria transformadora é uma questão mal resolvida pela social-democracia europeia e também pelos democratas nos EUA e essa insuficiência está na base de uma das frentes de apoio ao populismo de Trump. Portanto o tema é relevante.

Sabemos hoje que a destruição de emprego na indústria transformadora é essencialmente explicada por uma mudança estrutural inexorável do capitalismo: o progresso técnico, potenciando sucessivos aumentos de produtividade, quando impacta setores cuja procura não aumenta em proporção ao rendimento per capita das famílias tende a destruir irreversivelmente emprego. Essa é a fonte determinante da destruição de emprego em ramos específicos da indústria transformadora. Para que isso não acontecesse seria necessário assegurar contínuos aumentos de mercado para absorver o aumento de produção que é possível obter com as mesmas pessoas e a nova tecnologia. Como é óbvio, a existência de acordos comerciais que facilitam as importações de mercadorias atingidas pela referida inevitabilidade precipita a destruição de emprego e, o que é mais importante, isso acontece em territórios muito localizados, tendendo por isso a ampliar os efeitos do desemprego. Ou seja, podem atingir comunidades inteiras. Rodrik puxa por esta evidência e DeLong desvaloriza-a chamando a atenção para dois factos: em termos percentuais, as importações facilitadas pelos acordos comerciais são responsáveis globalmente por uma percentagem pouco mais do que residual da destruição de emprego e as devastações experimentadas por certas comunidades que partilham uma dada cultura industrial podem ser ressarcidas por outras vias que não necessariamente a rejeição global dos acordos. Estou mais próximo de DeLong nesta matéria do que de Rodrik, mas isso não significa que a posição correta seja entender essa destruição de emprego como um dano colateral irrelevante.

Mais controversa é a outra questão suscitada por Rodrik em torno do caráter relativamente insignificante dos ganhos globais de eficiência potenciados pelos acordos de comércio internacional livre. A investigação empírica disponível para a economia americana está com Rodrik. Os ganhos de eficiência global decorrentes do NAFTA estimados para a economia americana segundo metodologias bastante sofisticadas são de facto residuais (num dos estudos citados por Rodrik esses ganhos estão estimados em 0,08% do PIB). A esta evidência disponível contrapõe DeLong a ideia de que os acordos de comércio ao aumentarem a dimensão de mercado potenciam efeitos de produtividade que não se medem pelos níveis de eficiência global. Aumentos de dimensão de mercado tendem a potenciar por via dos efeitos de escala outro tipo de efeitos sobre a produtividade que não se confundem com a eficiência resultante de se poder importar uma mercadoria a um preço relativo mais baixo do que aquele que pode ser obtido internamente. Não abundam, porém, os estudos realizados sob essa perspetiva. Por isso, nesta perspetiva Rodrik parece mais sólido do que DeLong.

Em meu modesto entender, porém, a melhor forma de defender os acordos de comércio livre, obviamente analisados criticamente e à lupa, é uma espécie e contrafactual. A rejeição global e permanente desses acordos, numa deriva protecionista e sucessivas réplicas de retaliação por todo o mundo, coloca o mundo numa pior posição. E isso para mim é suficiente.

Sem comentários:

Enviar um comentário