terça-feira, 31 de março de 2020

ALGUNS DADOS



(Para memória futura e mesmo tendo em conta que os dados reunidos exigem cautelas interpretativas porque os países se encontram em estádios diferentes de desenvolvimento da pandemia, aqui ficam algumas atualizações desta manhã, ainda sem os dados de hoje da DGS portuguesa. Os indicadores adicionais são agora a taxa de letalidade por infetados e as taxas de infeção e letalidade por mil habitantes.)

O processo é simples. Reuni informação do John Hopkins University Center da manhã de hoje. Ordenei decrescentemente os países pelo número de infetados registados (com as reservas conhecidas em relação à comparabilidade destes dados) e calculei três taxas:

Taxa de letalidade por infetados registados (ver gráfico acima)

Temos seis países acima dos 6%: Itália, Espanha, Holanda, França, Irão e Reino Unido. A Alemanha continua a apresentar um número bastante baixo, embora em progressão, o mesmo se registando em relação aos EUA. A evolução do Reino Unido tem sido galopante. O valor da Holanda justifica uma atenção futura, até porque o seu modelo de abordagem foi referenciado como próximo do sueco, mas os números sugerem que seja menos eficiente.

Taxa de infeção por mil habitantes


As taxas ainda não atingem o valor de 2 por mil habitantes, embora Itália, Espanha e Suiça já impressionam, sendo este último caso provavelmente dependente da contiguidade do território suíço ao italiano.

Taxas de letalidade por mil habitantes


Os valores de Itália e Espanha destacam-se de forma clara, em linha com a força brutal das notícias dos últimos dias.

UNIÃO EUROPEIA, UM DOENTE DE RISCO

(Klaus Stuttman, http://www.tagesspiegel.de)


Não consigo resistir à tentação de aqui regressar ao Conselho Europeu dito informal de 26 de março, o tal que foi pela primeira vez realizado em videoconferência pelas razões que se conhecem (acima, e para a posteridade, uma imagem da participação de cada um dos seus protagonistas mais falados, a saber, o Presidente Charles Michel, o falcão Mark Rutte e os quatro mais destacados e aguerridos “mosqueteiros” do Sul).

Para não me exceder em entusiasmos mais ou menos emocionais (embora plenos de uma subjacente racionalidade), opto por remeter para o traço de alguns cartunistas de diversas origens e expressões linguísticas (embora sempre latinas, como se torna obrigatório no caso, e a última reportada a 2012 por forma a evidenciar quão persistente e duradoura é essa praga de uma Europa germânico-alemã) algumas das mais salientes reações ao que resultou (ou não resultou?) daquele meeting, aliás uma reunião que se poderá desde já encarar como apontada para a história, mais não fora pelas lógicas autodestrutivas que a União Europeia ali viu explodirem em todo o seu esplendor e pelo facto de estas se terem traduzido em feridas expostas que não se vislumbram nada fáceis de ultrapassar.

(Massimo Bucchi, https://www.repubblica.it)

(Idígoras y Pachi, http://www.elmundo.es)

(R. Reimão e Aníbal F, “Elias O Sem Abrigo”http://www.jn.pt)

(Patrick Chappatte, https://www.letemps.ch)

segunda-feira, 30 de março de 2020

A REINVENÇÃO NATURAL DAS CIDADES



(Já vimos de tudo nesta pandemia vivida a partir de cá. Já pressentimos que urbanos em desespero procuravam oportunisticamente o para eles esquecido interior em busca de isolamento, precipitando aliás, em alguns casos, a disseminação territorial indesejada. Mas há também a reinvenção do urbano, forçada é certo, e não sabemos se portadora de consequências mais duradouras ou se condenada a regressar à inércia de antes.)

A crise de confinamento, contenção e paragem de uma grande parte da atividade económica gerada pelo Coronavírus tem-nos trazido uma espécie de contrafactual de ilusão. Por razões trágicas e à medida que todos procuramos gerir o melhor possível os medos e interrogações, vamo-nos apercebendo de como poderia ser o padrão ambiental das nossas vidas, acaso o modelo produtivo fosse outro e sobretudo se a intensidade de utilização dos recursos físicos e naturais fosse também outro. Mas é uma pura ilusão, a perspetiva de um passado ao qual só uma tragédia de grandes proporções nos poderia reconduzir. O mundo vai ter enormes perdas de vidas humanas, é certo e muitas das famílias por esse mundo e também por cá conservarão a memória de um acontecimento que precipitou a partida de muitas das nossas referências. Mas os restantes recursos das economias não vão ser destruídos. As infraestruturas, os recursos físicos e naturais, o capital fixo e de equipamento das empresas e das organizações em geral, as ideias e o conhecimento, permanecerão. Parte do emprego será destruído, mas excetuando o que permanecerá desencorajado para sempre, pode ser recuperado, se os estímulos fiscais e monetários estiverem à altura da enormidade do problema.

Por conseguinte, é de facto impressionante assistir ao recuo dos níveis de poluição do ar e de rios, todos nos espantamos com a súbita transformação dos canais de Veneza e muitos outros traços de mudança para o ambiente cristalino por agora nos alertam para as delícias de um passado já relativamente longínquo. Mas a recuperação expansionista trar-nos-á de novo os efeitos do congestionamento e não podemos ignorar que a emergência climática resultou de uma enorme acumulação de efeitos no passado.

A resolução do problema ambiental por via da paragem da atividade económica é, como todos sabemos, uma ilusão passageira e não aponta para um novo rumo definitivo. Mas relembra-nos que a solução está na reconsideração do modelo de crescimento para recriar um novo modelo de desenvolvimento. Está na reorganização do trabalho para nos devolver a ritmos de mobilidade mais saudável, contrariando os seus opostos que também só ilusoriamente geram aumentos de eficiência e produtividade. Está numa utilização mais inteligente das tecnologias de informação e comunicação. Está na reorganização dos mercados e dos processos de produção preparando-os para choques exógenos desta natureza. Está na adaptação dos modelos de consumo e na antecipação de que o emprego não pode continuar a ser assegurado apenas por atividades ou produções não neutrais do ponto de vista das emissões de carbono.

Mas também a organização territorial e o modo como exercemos o nosso direito à liberdade de movimentação no território têm sido por maus e bons motivos impactados pela atual crise. Tivemos ecos nas últimas semanas de gente que redescobriu subitamente o interior esquecido procurando nele refúgio para o isolamento, não sabemos ainda se acompanhados de uma disseminação da infeção nesses territórios já de si vulneráveis. Lemos comentários lúcidos e sábios de gente local que denunciou essa descoberta de última hora. Sei por experiência e saber próprios que uma segunda residência é sempre um equívoco do ponto de vista da pertença a esses territórios, por muita saudade que já tenha da minha ampla janela para Santa Tecla em Seixas-Caminha e esteja roído de tristeza por não partilhar este ano o florescimento das aleluias (e Seixas não é decididamente interior).

Mas assistimos a redescobertas do urbano sem o abandonar. Por todo o espaço europeu e mundial há gente que passou a ouvir os pássaros que não ouvia. Não estou nesse grupo. Melros, rolas e outros pássaros (até de vez em quando um pica-pau) cruzam cânticos com o grasnar das gaivotas e já povoavam as manhãs soalheiras nesta zona de Vila Nova de Gaia. Mas há outros efeitos. De repente as ruas adquirem um outro significado vivencial e talvez a nossa perspetiva e valoração do espaço público mudem quando regressemos aos padrões habituais de densidade e mobilidade.

É claro que nem todos terão a experiência do povoado de Fornelos de Montes em Pontevedra que na noite de 20 de março tiveram a experiência da visita de um lobo que se passeava pelo povoado, talvez perturbado pela estranha ausência dos humanos, ou talvez com fome (link aqui). Neste caso, o lobo regressou e como diz o arquiteto paisagista francês Nicolas Gilsoul (link aqui) se a energia elétrica estivesse cortada de noite outras surpresas haveria. No caso dos pássaros, eles estavam lá, alguns de nós não os ouviam ou pressentiam. Já em 2013, o marxista David Harvey sublinhava que “é hora de adaptar o ambiente urbano ao tipo de gente que queremos ser” (link aqui).

Onde quero chegar com estas informações mais impressivas do que sistemáticas? Há um espaço de oportunidade à nossa espera para a reinvenção natural das Cidades. A emergência climática já nos tinha sugerido essa possibilidade. A tragédia viral reforçará essa sugestão.

UMA MEDIDA DA CRISE



Um dos dados que se revelaram mais avassaladores quanto aos brutais efeitos da crise que estamos a viver é o que respeita ao recorde semanal (desde que há registo, ou seja, desde 1967) atingido pelos pedidos de desemprego nos Estados Unidos: foram 3,3 milhões de americanos a preencher tal pedido, um número que excede sem paralelo o anterior máximo (695 mil pessoas em outubro de 1982). Os gráficos acima, nas suas duas compatíveis versões formais, são bem elucidativos à vista desarmada; quanto aos dramas múltiplos e escondidos, somente nos será possível imaginá-los por largo defeito.

LA MUSICA NON SE FERMA



(Estamos todos mais sensíveis e confesso que me vieram as lágrimas aos olhos com a audição deste coro virtual do Va Pensiero do Nabuco de Verdi. A proximidade na distância, Verdi e a sua Itália e o poder da música, um bom alento para estes dias.)

A Itália toca-nos de todos os ângulos e perspetivas. Como gostaria de rever todas aquelas paragens das terras do Norte e seus lagos, a sofisticada Milão, as planícies imensas do vale do Pó, a sequência infindável das pequenas e médias cidades da Itália central (com as arcadas de Bolonha à cabeça), a Roma de Nanni Moretti, a desregrada e inclassificável Nápoles metáfora dos nossos tempos e a Sicília que me preparava para revisitar este verão, com a promessa de entrar na ópera de Palermo e saborear todos os aqueles anti-pasti com sabor a mar que os episódios do Comissário Montalbano e os escritos de Camilleri me sugerem.

Não imagino se a Itália será alguma vez a mesma pelo menos a Itália das nossas memórias.
Por isso agradeço o tweet do Carlos Vaz Marques a propósito do programa de Paulo Portas que não vi que me levou ao coro virtual do International Opera Choir (link aqui). A nossa sensibilidade está extremada e o Va Pensiero cantado e tocado nas circunstâncias de hoje comove qualquer um e a mim também.