quarta-feira, 27 de setembro de 2023

A ESTAGNAÇÃO DA AMÉRICA LATINA VISTA PELO OLHAR DO GRUPO DOS 30

 


(O mundo da economia está cheio de grupos de sábios, savants como diria Bourdieu, que ora convidados por políticos desejosos de notoriedade e ou necessidade de ratificar políticas, ora por iniciativa própria de tentar influenciar as coisas, publicam relatórios, documentos, cartas abertas ou coisa que o valha. Estamos a falar de economistas que David Colander associa a uma família da economia designada por ele de “arte da política económica”[1], em contraponto à mais tradicional divisão entre economia positiva e economia normativa.  O grupo dos 30 pertence a essa família e integra gente que ou partilha a atividade docente e investigação com uma proeminente presença em meios profissionais ou está mesmo no presente exclusivamente dedicada a esse tipo de atividades como CEO’s de empresas reputadas, Governadores de bancos centrais, conselheiros de Governos e outras funções similares. O grupo tem como presidentes o brasileiro Arminio Fraga ligado ao Banco Central do Brasil e Guillermo Ortiz, Banco Central do México, como Diretor o economista chileno Andres Velasco, presentemente na London School of Economics, e como membros ativos gente importante como Daren Acemoglu, Carmen Reinhardt e Lawrence Summers. Gente de peso, cujo pronunciamento público e acesso aos media são garantidos. O trabalho em causa, Why Does Latin America underform?, é uma tentativa de explicação do mau ou deficiente desempenho da economia latino-americana.)

 

Do ponto de vista intelectual e académico tenho com a América Latina uma relação de forte afetividade, embora as encruzilhadas da vida nunca me tivessem proporcionado a oportunidade de estudar in loco aquilo que me fascinava nos livros. Quando os estudos de economia do desenvolvimento eram a minha ocupação obsessiva, prolongada depois com a questão da globalização, a América Latina estava no centro de todos os debates, muito antes do prodigioso crescimento asiático preencher o interesse dominante dos investigadores. As famosas teses do desenvolvimento do subdesenvolvimento (André Gunder Frank) e do corpo mais vasto das teorias da dependência tinham na América Latina o seu epicentro, de paredes meias, por vezes confusão generalizada, com a crítica do imperialismo americano e a procura de uma leitura científica dos constrangimentos ao desenvolvimento que aqueles países evidenciavam. As paredes meias com a crítica do imperialismo americano penalizaram fortemente a afirmação entre pares e a ferocidade americana determinou mesmo a expulsão dos EUA de André Gunder Frank, só muito posteriormente reabilitado, se a memória não me atraiçoa a título póstumo. Curiosamente, foi também na América Latina, mais propriamente na Colômbia, que um dos patronos deste blogue, Albert O. Hirschman, ensaiou como conselheiro a sua heterodoxia. E foi também aí que o outro patrono, Fernando Henriques Cardoso, construiu a sua análise concreta de situações concretas de dependência.

A verdade é que, apesar da embora atenuada, mas não extinta, crítica do imperialismo americano e com países como o México a alinhar o seu poderio industrial com uma relação de forte interação e proximidade com a economia americana, o desempenho económico latino-americano tem sido regra geral dececionante. E também não custa admitir que a América Latina foi o bloco económico mais penalizado por ter sido “um bom aluno” das pressões liberalizantes do hoje esgotado Consenso de Washington. Arrisco mesmo dizer que as teses da dependência não estão mortas de vez devido precisamente ao continuado mau desempenho económico latino-americano, como que a relembrar que os constrangimentos da vulnerabilidade, da dependência e do desenvolvimento desigual estão aí para as não deixar morrer.

A questão do mau desempenho é tanto mais surpreendente quanto pelo menos alguns países, como o México (este com uma proximidade à economia americana), a Colômbia, o Peru e obviamente a eterna e sempre gorada esperança do Brasil revelaram processos de especialização manufatureira com algum significado, escapando assim ao predomínio da especialização primária, fonte de todas as dependências.

O relatório do grupo dos 30 não deixa de registar também a sua perplexidade quando identifica cinco vícios ou síndromes muito claros na região – instabilidade macroeconómica e política, baixa qualidade das instituições, baixo investimento em capital físico e humano, fraco poder vinculativo da lei e dos contratos e corrupção – mas reconhece que a sua incidência não é generalizada e que não impediram momentos de crescimento relevantes na história latino-americana: “O México nos anos 50, 6º e 70, o Brasil nos anos 60 e 70, o Chile nos anos 90 e a República Dominicana e o Panamá mais recentemente, todos tiveram períodos de crescimento rápido”.

O relatório analisa em particular a diversidade de situações reconhecível na Região e identifica alguns padrões:

  • ·  A Venezuela, a Argentina e o Equador têm associado uma instabilidade endémica a baixo crescimento;
  • ·      A Colômbia, o Chile, o Peru e o Uruguai têm associado alguma estabilidade a declínio de crescimento, ainda não claramente sem saber se trata de fenómeno cíclico alargado ou estrutural;
  • ·      Uma economia aberta e fortemente exportadora como o México;
  • ·      O caso do “Estado capturado” do Brasil.

Obviamente que a desigualdade da distribuição do rendimento e o forte impuslo que ela provoca a toda a série de populismos, de indignação e de baixa coesão social, logo de baixo capital social de confiança, continua a desafiar as políticas económicas a não poderem concentrar-se apenas no crescimento económico.

Mas o que eu retiro daqui, aproveitando para regressar ao aconchego da economia do desenvolvimento, é que a América Latina continua a ser, embora com forte penalização das suas populações, uma fonte inesgotável de desafios de compreensão do desenvolvimento.



[1] Tenho esta matéria fresca pois estou a preparar a apresentação do excelente livro do meu Amigo e rigoroso cientista Professor José Madureira Pinto, “John Kenneth Galbraith e o campo da economia norte americana – um ensaio de análise sociológica” (Edições Afrontamento), cuja leitura me está a encantar e que será objeto de alguns posts neste blogue, obra na qual ele desenvolve entre outras dimensões relevantes de abordagem os contributos de Colander.

 

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