(Os malabarismos e ginástica políticos a que Pedro Sánchez e o PSOE se têm dedicado para garantir a investidura começam progressivamente a sugerir que ela será uma crónica anunciada. O mesmo não direi quanto aos efeitos que tais proezas da tática política tenderão a provocar na eventual legislatura que essa abordagem irá possibilitar. A polarizada sociedade espanhola está ao rubro e consta que haverá figuras históricas do PSOE a incorporar a grande manifestação nacional que a direita está a preparar contra a Amnistia. Isso significa que mesmo dentro do PSOE existe divisão quanto ao modo como a referida amnistia está a ser utilizada como plataforma de acesso à referida investidura. Há assim uma diferenciação assinalável entre o corpo central da negociação, que alguns dizem estar já fixada desde agosto, como o afirmou o líder da Esquerra Republicana e que se relaciona com a famigerada amnistia, e uma questão aparentemente lateral, mas que tudo indica que funcionará como uma condição mitigadora das condições em que a amnistia será na prática implementada e compatibilizada com a Constituição. Estou a referir-me à questão da pluralidade linguística que, passo a passo, vai sendo estabelecida para gáudio dos regionalistas nacionalistas. O tema justifica que seja integrada no pacote global da negociação que Sánchez pensa ser necessária para conduzir à investidura..
Com a forte oposição da direita do PP e mais radical do VOX, o Congresso de Deputados (a Assembleia da República lá do sítio) iniciou ontem a marcha para a adoção de línguas cooficiais. Por ironia do processo, foi um deputado galego que utilizou pela primeira vez a faculdade de falar na sua própria língua, o galego, levando à necessidade de traduções simultâneas, visível nos auscultadores de muitos dos deputados presentes.
O El País noticiava: “O Congresso inaugurava assim uma nova etapa: pela primeira vez em 45 anos de democracia, os debates poderão desenrolar-se em castelhano – a língua oficial do Estado, ou em qualquer das três línguas que são cooficiais em várias comunidades autónomas, A utilização do galego, do catalão e do eusquera (Vasco) iniciou-se mesmo antes de ser oficialmente aprovado”. 179 deputados asseguraram a decisão, um indício da maioria parlamentar que pode consagrar a investidura de Sánchez.
Em estreita ligação com essa variante da negociação, o Governo de Sánchez tramitou para a Comissão Europeia a proposta de conversar o catalão, o eusquera e o galego em línguas oficiais da Comissão Europeia. A decisão foi adiada pelas autoridades comunitárias para incorporar elementos adicionais de fundamentação e de análise de custos, mas o Governo espanhol já foi anunciando que em caso de aplicação progressiva daria prioridade inicial ao catalão. Ora, parece-me haver aqui uma clara indicação de que isto terá sido negociado como área complementar do tema da amnistia.
Quer isto significar na minha modesta interpretação que o nacionalismo autonómico vai fazendo o seu caminho, passo a passo. A utilização das três línguas no Parlamento é um passo inesperado e se a Comissão Europeia as adotar como línguas comunitárias o passo será ainda maior.
Que tudo isto surja misturado com a negociação para a investidura não é nada canónico, mas em meu entender retira à amnistia muito do ruído que tenderá a provocar se para ser compatibilizada com a Constituição não ficar ao sabor dos independentistas.
Malabarismo e ginástica, sem dúvida.
Se estou convencido quanto ao custo-benefício do risco que representam, amnistia incluída, não estou. E espero que a história futura não me dê razão.
Sem comentários:
Enviar um comentário