Bruxelas também está de volta ao trabalho, após um break estival que não teve verdadeiramente a dimensão de paragem habitual; afinal, sempre há uma guerra por perto e um vasto conjunto de dossiês que, mais do que nunca, não podem esperar. Ainda assim, o facto é que a rentrée propriamente dita só vai acontecer com o discurso do “Estado da União” por parte de Ursula von der Leyen, a ocorrer na próxima Quarta-Feira em Estrasburgo; sendo que, entretanto, já vão sendo muitos os ruídos em torno dos rombos que a Comissão está ou irá ainda sofrer, matéria que é notoriamente determinante para uma perspetivação fundamentada do que poderá ser a atividade e o funcionamento daquela Instituição no seu último ano de mandato que agora se inicia.
Falo de quê? Entre outros tópicos de ordem mais estritamente interna ou de maturidade mais longa, refiro-me ao problema imediato dos comissários que estão de saída (quer por razões políticas nacionais, quer por razões de gestão de carreira) e do peso específico comparado dos seus substitutos indicados. Com efeito, são dadas por assentes três demissões muito relevantes: a de Frans Timmermans, o vice-presidente neerlandês que tinha a seu cargo o chamado Green Deal, a de Mariya Gabriel, a comissária búlgara responsável pela Inovação e Investigação (assim como da Cultura, da Educação e da Juventude), e a de Margrethe Vestager, a vice-presidente dinamarquesa que preparava a Europa para a Idade Digital (após ter sido a todo-poderosa primeira figura da área da Concorrência); o primeiro vai candidatar-se a primeiro-ministro dos Países Baixos pelos socialistas, a segunda foi seduzida por uma missão desejavelmente “salvadora” da democracia búlgara (ocupando de momento o posto de ministra dos Negócios Estrangeiros) e a terceira decidiu (ou alguém por ela) atirar-se à presidência do Banco Europeu de Investimentos (BEI) como a melhor opção de continuidade para a sua já longa atividade de ação pública (não esperando embora que o lóbi espanhol se lhe atravessasse com um peso-pesado difícil de contornar como a primeira vice-presidente do governo, Nadia Calviño, alguém que fora diretora-geral do Orçamento europeu antes de assumir cargos político-económicos crescentemente marcantes desde 2018 ao lado de Pedro Sánchez).
E quem vai tomar conta dos assuntos que assim perderão tutela? Num caso, o de Mariya Gabriel, Ursula já propôs o nome de outra política búlgara (Iliana Ivanova), estando em desenvolvimento os necessários procedimentos parlamentares para a efetivação da substituição, nada indicando que tudo deixe de se passar sem grandes perturbações (de aprovação, primeiro, e funcional, depois). Noutro caso, o de Timmermans, a coisa fia mais fino porque é tudo menos inquestionável o nome avançado pelo governo holandês (o inenarrável Wopke Hoekstra, que desempenhava o cargo de ministro dos Negócios Estrangeiros após ter sido anteriormente um ministro das Finanças altamente polémico em termos europeus ― lembram-se da forma raramente brutal como António Costa reagiu a inaceitáveis declarações dele em 2020?), designadamente para se vir a ocupar da pasta estratégica da Ação Climática (para a qual não se lhe conhecem especiais qualificações) e também porque se trata de uma alteração importante nos equilíbrios interpartidários (sai um socialista e entra um democrata-cristão); fica por saber-se, de momento, qual a reação do Parlamento Europeu a esta designação, ou seja, se a mesma será pacífica (sinal de que alguma negociata prevaleceu), se ela dará apenas lugar a algum afrontamento relativamente incómodo mas sem consequências para Hoekstra ou se ainda poderá acontecer um golpe de teatro que inverta a posse do nomeado e obrigue a nova escolha. Por fim e no caso de Vestager, as incógnitas prevalecem e tendem a apontar para o facto de Ursula estar decidida a adotar uma atitude de wait and see para melhor depois se ajustar às realidades, hoje largamente incertas, que se lhe apresentarem.
Veremos o sentido destas e de outras mudanças a acontecerem necessariamente neste e no próximo mês e a contribuírem para leituras mais conclusivas sobre o(s) futuro(s) da Europa, muito particularmente quanto à distribuição dos lugares-chave para um próximo e decisivo mandato, aquele em que convergirão todas as questões inadiáveis que irão traçar o destino do projeto europeu. Como evoluirá a indisfarçada disputa pela Comissão entre Ursula e Bretton? Quem se perfilará para suceder a Charles Michel? Que surpresas nos reservarão as eleições parlamentares com que culminará o ano político?
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