(A manifestação que o PP promoveu no centro de Madrid contra as negociações que Pedro Sánchez tem vindo a desenvolver com o Junts per Catalunya de Puigdemont para acertar os termos de uma possível investidura depois, como tudo o indica, de se gorarem os esforços de Feijoo para fazer o mesmo, constitui um ato político de rua de grande relevância para se compreender o estado da polarização política a que a Espanha chegou. Não estive lá e por isso não tenho elementos para dimensionar a força da manifestação, mas podemos admitir que tenha sido a maior manifestação de iniciativa exclusiva do PP. Mas o seu significado transcende o número de pessoas que terá reunido. O significado está na irredutibilidade dos argumentos que justificam os esforços de Sánchez e a sua rejeição por parte do PP. Não estranha por isso que os pesos pesados do PP como Ayuso, Almeida, Rajoy, Aznar e Mazón estivessem presentes na manifestação, com alocução do próprio Feijoo. O cartaz que abre este post diz bem do tom em que a polarização está mergulhada. Não deixa de ser curioso que seja a direita a abandonar o espaço institucional do Congresso de Deputados para se concentrar na rua, tentando criar um ambiente social e institucional que torne a aproximação de Sánchez a Puigdemont insustentável, tirando aliás partido de alguma divisão que grassa entre as hostes do PSOE, sobretudo entre o seu núcleo mais histórico, com Felipe González e Alfonso Guerra à frente do grupo, e os núcleos que continuam a apoiar Sánchez.)
É conhecido que Puigdemont é praticamente o único líder independentista catalão que não foi julgado e condenado pelo “procès”. A sua fuga para a Bélgica (por isso a direita o designa de “o fugitivo de Waterloo”) impediu esse julgamento e tem sido do exterior que o líder do Junts tem conduzido os cordelinhos necessários a uma amnistia que permitisse o seu regresso a Espanha. A decisão de negociar com um trânsfuga político tem sido alvo de fortíssima constatação entre os mais “espanholistas”, mas importa saber que o próprio Feijoo realizou uma aproximação ao trânsfuga para avaliar das possibilidades de um acordo de investidura para o PP. A situação é estranha mas devemos convir que ela resulta do jogo democrático. Os independentistas do Junts conseguiram, mesmo no contexto do declínio do peso eleitoral do independentismo catalão, uma votação nacional que lhes permite entrar e pesar na negociação. Ora, como o partido manteve Puigdemont como o seu líder, mesmo na situação de exilado, a negociação parlamentar obrigaria sempre a esse contacto. Podemos é certo comparar a fuga de Puigdemont com o aguentar firme de Oriol Junqueras (Esquerra Republicana), que foi julgado e condenado. Certo. Mas a verdade é que o enguia líder do Junts teve votação nacional que lhe permite negociar. A democracia tem por vezes caminhos ínvios e inesperados. A posição de Sánchez é equívoca e propensa a ser entendida como um mero jogo de apego ao poder, até porque, em meu entender, em cenário de repetição de eleições, dificilmente a vitória com maioria absoluta do PP poderia ser evitada. A última sondagem conhecida (link aqui) antecipa mais 12 lugares para o PP no Parlamento, com maioria absoluta com o VOX.
Até à consumação ou inviabilização de uma qualquer investidura assistiremos à subida de empolgamento das mensagens. Mas em meu entender, a questão principal não está em haver ou não investidura, com maior probabilidade dela acontecer com Sánchez a conseguir o apoio in extremis dos independentistas. A questão crucial é a do ambiente em que irá decorrer a governação se Sánchez lograr alcançar a manutenção no poder. Diríamos que se está a preparar uma governação de cortar à faca, com a particularidade das coligações PP-VOX em algumas comunidades autónomas estarem preparadas para o contra-poder. Madrid (Comunidade e Ayuntamiento) continuarão o tiro ao boneco, com Sánchez no centro do alvo.
Conseguirá a coligação PSOE-SUMAR aguentar-se no balanço?
Que consequências trará o acordo com os independentistas para o facto do PSOE catalão ser hoje a formação política mais votada na Catalunha?
Conseguirá a amnistia ser acomodada na Constituição espanhola?
E que consequências terá o multilinguismo assumido no âmbito das negociações para a investidura?
Terão as concessões neste último âmbito a força suficiente para compensar, por exemplo, uma impossibilidade constitucional de concretizar a amnistia?
Quanto a este último aspeto, houve uma votação que passou despercebida. O PP galego, com maioria absoluta e sob a liderança de Alfonso Rueda na Galiza, votou negativamente no Parlamento galego contra a sua própria língua. Teria Fraga, se fosse vivo, votado dessa maneira?
A indeterminação é total. Diria que a Espanha está transformada em ser nos próximos anos um laboratório político de estudo necessário, sobretudo do ponto de vista de um país com organização territorial marcada por autonomias bastante avançadas.
Continuaremos, por isso, a seguir de perto esta verdadeira dinâmica laboratorial.
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