sábado, 16 de setembro de 2023

CLARIFICAÇÃO IDEOLÓGICA

 


(Depois de ontem à noite me ter deliciado com mais um excelente concerto da Orquestra da Casa da Música, cada vez mais internacional e competente, com Tchaikovsky, Bridge e a irrepreensível Sinfonia do Novo Mundo de Dvorjak, apetece-me um registo mais pessoal para este post. Registo que foi essencialmente determinado pela leitura dos jornais da manhã, sobretudo em torno da cobertura da apresentação do novo livro de Cavaco Silva e do que é possível antever nessas notícias sobre o ambiente, fauna e alguma flora em que decorreu a sessão. O leitor pode perguntar o que é que tem que ver a letra com a careta, ou seja, como é que vou saltar deste estímulo do jornal da manhã para uma reflexão sobre clarificação ideológica? Não será seguramente uma crónica alucinada …

Sabemos que a clarificação ideológica, doutrinária e de produção de ideias para os tempos de hoje entre o socialismo e a social-democracia não está fácil, sobretudo devido ao jogo de sombras em que os protagonistas estão empenhados. Os socialistas transformaram-se em sociais-democratas (de mal o menos) e estes teimam em não regressar às origens e a ser tentados por outros voos (uns falarão em neoliberalismo, outros utilizarão outros referenciais comparativos. O assunto interessa-me, especialmente porque entendo que o debate sobre a consistência das nuances de diferenciação entre o socialismo democrático e a social-democracia ajudariam bastante a fortalecer esta área relativamente a outros mundos ideológicos, que espreitam por aí e que aproveitam habilmente a tolerância dos sistema democráticos.

Neste campo movediço das ideias, a empatia importa. Mas de que empatia estou a falar?

Em primeiro lugar, de empatia com os próprios políticos que protagonizam e nos solicitam adesão às suas ideias. Neste campo, estou como o sempre perspicaz Luís Aguiar-Conraria que expressou recentemente a reação negativa instantânea que a personalidade, postura e comportamento de Cavaco Silva lhe despertaram. Assino por baixo e este é uma espécie de conflito de interesses que tem de ser explicitado à partida. Tenho em casa um livro de Cavaco, autografado e isso deve-se apenas a uma passagem do Presidente por terras do Ave e onde fui chamado, por iniciativa do Professor David Justino, com outros Professores para uma troca de impressões com o Presidente, no restaurante S. Gião em Moreira de Cónegos. Calhou-me a mim e ao Joaquim Azevedo ficarmos em frente à personalidade e também a um cabrito assado que estava delicioso. Portei-me bem, veiculei o meu conhecimento sobre a sub-região que na altura e que desde os temas da OID animada por Elisa Ferreira tinha acumulado e creio que foi isso que justificou depois o envio por parte do Presidente do livro autografado. Mas desde aí a minha intolerância empática com a personagem tenho de confessar que é inabalável.

Em segundo lugar, na sequência do que o marketing mais moderno nos ensina, devemos falar de empatia entre os apoiantes e defensores de uma dada ideia. É uma espécie de efeito—clube. E como nestas matérias sou irreprensivelmene individualista (não gostaria de pertencer a um clube que me aceitasse como sócio, com a exceção do SLB, claro), tenho por vezes algumas interrogações quando me apercebo que estou a partilhar algumas ideias com gente e personagens com os quais não me identifico.

Há tempos tive de novo essa sensação quando as relações de amizade pessoal com o ex-Governador do Banco de Portugal Carlos Costa me levaram de boa fé e talvez inadvertidamente a partilhar o espaço da Gulbenkian no dia em que ele apresentou o livro organizado pelo jornalista Luís Rosa. Quando dei por mim com o Relvas à minha direita, numa sala apinhada, e tive que levar com a apresentação do livro por Marques Mendes, perguntei a mim próprio, mas que raio estava ali a fazer.

Foi uma sensação dessa natureza que alimentei quando imaginei o ambiente de sala em que decorreu a apresentação do livro de Cavaco Silva. Embora pudéssemos dizer que o universo de personagens não era o mesmo do que observei na Gulbenkian, aquela simples constatação de não empatia com aquele universo é para mim, por mais estranho que o possam considerar, uma forma de clarificação ideológica. Isso não significa de todo que na prática política concreta não pudesse discutir formas de compromisso político e de intervenção com aquele mundo de pensamento. Até posso condescender e compreender a afirmação de Durão Barroso de que o país está demasiado desequilibrado para a esquerda. Mas aquele não é o meu mundo. E isso basta-me para me compreender a mim próprio.

 

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