(Não é novidade. Tem sido assim desde o início da maioria absoluta. O desempenho do Governo na área da educação tem sido recorrentemente ambivalente. Aspetos positivos, principalmente a forte redução observada nas taxas de retenção e abandono escolar precoce, mas também a sensação de que o sistema educativo se desmorona e não é apenas a disputa com as reivindicações dos Professores que explica essa situação. O início do ano escolar apanha de novo o Governo nessa ambivalência estranha e recorrente. Por um lado, a publicação do Education at a Glance 2023 da OCDE oferece ao ministro João Costa algo a que se pode agarrar. Mas, por outro, o início do ano escolar com um número relativamente elevado de alunos sem professores colocados é uma mancha que marcará o tom geral da abertura do ano escolar. É sobre esta ambivalência que fala o post de hoje, espelhando a minha estranheza pela falha de planeamento educativo ao não ser previsto o número elevado de professores que evoluiu para a situação de reforma. A importância do tema é sobretudo justificada pela insistência com que o ministro João Costa invocou o relatório da OCDE para se defender da natureza inacabada da abertura do novo ano escolar.)
A publicação do Education at a Glance ou a divulgação de relatórios por países, temáticos ou globais não importa, constituem regra geral momentos de grande tensão mediática. Os números e indicadores da OCDE acabam por se transformar em fontes exógenas de avaliação do desempenho governamental na área educativa e daí que, em momentos como o presente, de grande tensão no sistema, com o sistema de atores crispado, se transformem em armas de arremesso ou em escudos de defesa.
O tema central do relatório de 2023 da OCDE acaba por ser favorável ao Governo na medida em que elege o tema da educação e da formação vocacional ou, como é por vezes referido em Portugal, da educação e formação profissionalizante. Sabemos que, embora não conseguindo manter estável a tendência de crescimento continuado do número de alunos a frequentar e diplomados do ensino profissional (cursos profissionais, essencialmente), a realidade dos cursos profissionais evoluiu consideravelmente, podendo ser-lhes associado um contributo muito relevante para a descida da taxa de abandono escolar precoce e da taxa de retenção e também para a descida da taxa de jovens que não estudam, que não trabalham e que não se encontram em formação.
A escolha oportunamente realizada em Portugal quanto ao modelo de governação da regulação da oferta de cursos profissionais, desafiando as Comunidades Intermunicipais (CIM), em cooperação com as Escolas, ANQEP e DGeST, para regular em termos de coordenação intermunicipal a oferta das Escolas Públicas nessa matéria, que aliás deveria ser estudada como boa prática de territorialização de políticas de educação e formação, é um excelente exemplo de cooperação vertical entre os níveis nacional, sub-regional e local, só faltando a nível regional uma coordenação mais efetiva.
A situação portuguesa, com uma larga melhoria de fluxos de novas qualificações que procura mitigar a inércia histórica e estrutural da desqualificação, tem por natureza neste processo de transição uma posição de grande ambivalência. O que está visível no relatório da OCDE e o ministro João Costa apressou-se rapidamente a sublinhá-lo. Assim, Portugal evidencia-se com a maior redução do peso de população sem educação secundária superior, apenas em sete anos, de 2015 a 2022, reduzindo esse peso de 40 para 20%. A educação vocacional muito contribuiu para esse resultado, mas do ponto de vista comparativo o gráfico acima mostra bem como a relevância percentual da formação vocacional está ainda muito abaixo do observado noutros países europeus.
Um outro nível em que o relatório OCDE é bastante favorável a Portugal é a evolução da percentagem de população com 25 a 34 anos com formação superior. A evolução no mesmo registo de sete anos (2015 a 2022) mostra que entre os homens esse peso aumento de 25 para 37% e nas mulheres o já muito elevado valor de 41% passou para 52%. De novo o fluxo mitiga o stock. Em 2022, o peso total da população com formação superior entre os 25 e 64 anos era ainda de 31%.
Estes dois aspetos, não exaustivos, chegam para compreender em que medida o Governo se socorreu do relatório OCDE para marcar a sua posição. Aliás, estes aspetos já tinham sido salientados na própria e tão discutida nota macroeconómica de Mário Centeno.
Por conseguinte, importa questionar por que razão o Governo, embalado pelo registo internacional destes sete anos, se envolve num início de ano escolar tão criticado pela falta de professores em algumas escolas. Aqui gostaria de distinguir entre falhas determinadas por eventuais ineficiências do processo de colocação, que pode gerar atrasos e que serão colmatados em prazos relativamente curtos (o que não elimina a existência de fortes inconvenientes para os alunos e suas famílias), outra coisa são falhas evidentes de planeamento e que dificilmente serão colmatáveis em prazos curtos. Parece-me ser este o caso do alarme público provocado pelo crescimento do número de professores que pediram a sua reforma (antecipada ou não, não interessa). Mas como é possível que num país em que o declínio demográfico é amplamente conhecido e em que o ambiente de motivação profissional nas Escolas está nos seus valores mais baixos que o crescimento das reformas entre os professores tenha apanhado de surpresa o sistema?
Em meu entender, este é um indicador do estado preocupante de degradação e descapitalização a Governo deixou chegar as estruturas de planeamento. Por outro lado, pergunto-me em que medida este dado estrutural não tem influenciado a posição governamental na negociação com os diferentes sindicatos: tem a negociação refletido este estado de coisas? Ou o Governo continua renitente apesar do descalabro da falta de previsão dos professores em situação de reforma?
Concordo que o papel do Ministro e da sua equipa sejam o de puxar pelos aspetos mais positivos do registo da OCDE. Cabe-nos a nós moderar essa invocação de galões, anotando o que na nossa análise são falhas estruturais que não podem ser ignoradas no processo de negociação em curso com os vários sindicatos. Ou então teremos de concluir que a governação está organizada em frentes ou plataformas que não interagem entre si. E eu sou parte interessada já que gostaria que os meus quatro netos tivessem um início de ano escolar minimamente organizado, com a indispensável distinção Porto-Lisboa, já que me parece que por estas últimas paragens a coisa está mais delicada.
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