(El País)
(Se pudéssemos abstrair da polarização extrema que os acontecimentos eleitorais mais recentes em Espanha têm suscitado e, como tenho dito, a polarização em Espanha tem sempre uma natureza muito particular porque a História interessa, daríamos por bem aproveitado o tempo de acompanhar a ginástica e prestidigitação políticas que as lideranças do PP, com Isabel Ayuso surpreendentemente muito calma e calada, e do PSOE têm desenvolvido para atingir a investidura desejada. Na paradoxal e politicamente anómala centralidade que o trânsfuga Puigdemont e o Junts assumiram no processo de negociação, com laivos de chantagem e coelhos da cartola de toda a espécie, as lideranças do PP e do PSOE não podem ser acusadas de falta de inventiva, agilidade e capacidade de pisar todos os riscos e linhas, vermelhas e de cores ainda mais marcadas. Assim, embora verberando o independentismo catalão, Feijoo propõe agora uma nova tentativa de, utilizando o Senado, poder acolher algumas das reivindicações de Puigdemont tentando in extremis de gozar o seu estatuto de partido mais votado. Por seu lado, Sánchez envia camufladamente a sua Vice -Presidente Yolanda Diáz a uma negociação com Puigdemont que lhe valeu as reprimendas de todos os barões do partido e trata de, capitalizando a questão das línguas regionais, atrair os independentistas ao acordo de investidura, empurrando com a barriga, que ele não tem, diga-se, os lios que esse saco de gatos iriam provocar à governação futura.)
Neste momento de debate político exacerbado e em que a questão da amnistia pedida pelos independentistas catalães choca com a multiplicidade das interpretações constitucionais, vem imediatamente ao confronto a outra amnistia que acompanhou a transição democrática. Mas em bom rigor essa outra amnistia tinha toda a razão de ser, já que a Espanha iniciava uma transição democrática, ou seja um novo futuro, exigindo por isso o “reset” político de toda a perversidade que o franquismo introduzira na sociedade espanhola. Pelo contrário, esta nova amnistia não equivale a um futuro novo, é um mero instrumento para viabilizar uma investidura. Não me admiraria que, a ser concretizada, os independentistas catalães, embora a perder força política, não estejam permanentemente dispostos a abrir um novo “procès” que faça as coisas regressar ao ponto de partida.
Por isso, num momento tão extremado, já há algum tempo que não trago para o blogue o fel da escrita de Xosé Luís Barreiro Rivas que definitivamente não morre de amores pelo independentismo catalão e que tem desancado no governo de Sánchez-Diáz de todas as maneiras e feitios.
É tempo de reparar a lacuna com um excerto da sua mais recente crónica que vale a pena ler com atenção, contextualizando as palavras no quadro do pensamento deste politólogo, com o qual convivi em algumas reuniões do Euixo Atlântico:
“(…) O enquadramento constitucional, na Espanha de hoje, não depende da literalidade da Constituição, nem das suas interpretações, mas de uma decisão política que, bem trabalhada por um sistema mediático medíocre, determina a constitucionalidade das normas sem outra base que não o sacrossanto princípio de que toda a necessidade é virtuosa. Por isso, carece de sentido analizar preventivamente o enquadramento da amnistia. Porque se isso convém – sei o que digo -a quem detém o poder será constitucional e, no caso contrário, não. Se analisarmos com independência de critérios, e humanizando um pouco certos magistérios jurídicos, é bastante aterradora a acumulação de banalidades que foram meticulosamente estudadas pelo Tribunal Constitucional e a lista de mudanças de enorme importância que, em vez de serem resolvidas através de reformas pactadas na Magna Carta, foram superadas – com esperas de anos e decisões de minutos – pelo chusco (engraçado) procedimento de “elas vêm e deixai-as passar”.
Exemplo doméstico. Este ano celebramos os 40 anos da lei a de normalização linguística que superando por cima o seu modelo catalão, foi aprovada – por unanimidade – com um artigo mais moral do que jurídico, que estabelecia a obrigatoriedade de todos os galegos reconhecerem a sua própria língua. Tal artigo foi levado pelo Governo socialista de González ao Tribunal Constitucional, que este chumbou, declarando-o depois inconstitucional. Já nos princípios do século XXI, aproveitando a reinvenção do Estatuto da Catalunha propiciada por Zapatero, os catalães introduziram, em termos similares ao que nós galegos tínhamos feito, a obrigação dos catalães conhecerem a própria língua, norma que vigora hoje na Catalunha e que não vigora na Galiza. Qual foi o procedimento de constitucionalização deste inocente pormenor? Que o Governo socialista de Zapatero decidiu não recorrer ao Tribunal Constitucional, gesto suficiente para tornar constitucional na Catalunha o que é inconstitucional na Galiza. E essa manobra, queridos constitucionalistas, chama-se enquadramento (encaje).
O problema de Espanha não é teórico, mas antes de um realismo dramático. E os dramas, como os nós gordianos, não se resolvem com ciência, mas antes com a espada. Por isso é importante saber que a espada está, neste momento, nas mãos de Puigdemont. E todos os debates são, lamento dizê-lo, elucubrações ociosas".
Bela e rigorosa prosa, mesmo que não estejamos ideologicamente com Barreiro Rivas
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