(Em matéria de inflação, ficou claro para todos que a economia europeia andou a reboque da americana e que o grande debate em torno da sua interpretação e das medidas para a controlar começou do lado de lá do Atlântico. Não é coisa que espante, pois tem sido assim praticamente com todos os disfuncionamentos da economia que vale a pena discutir. Isso deve-se ao caráter mais avançado, não no sentido de desenvolvido mas no sentido de que a inovação tende aí a acontecer primeiro, e também ao facto da tribo dos macroeconomistas ser nos EUA mais aberta ao debate, o que a blogosfera bem evidencia. Penso que por arrastamento isso se estendeu à própria ação da Reserva Federal e do BCE, tendo este último reagido com maior lentidão e estar, por isso, em meu entender, mais inseguro, o que o leva a uma perspetiva mais conservadora. E há obviamente as profundas diferenças entre os modelos económicos das economias, incluindo aí as diferentes condições de internacionalização e de financiamento externo. No tempo presente, quando se começam a perceber sinais de que finalmente a inflação poderá estabilizar, adensando a pressão para que os governos centrais revejam as suas políticas e clarifiquem a “forward guidance” que irão seguir no futuro próximo, sucedem-se as análises para tentar explicar as razões do abrandamento da inflação em contexto de política monetária restritiva ter sido alcançado, sobretudo nos EUA, sem danos relevantes no emprego. Ou seja, salvo incómodas alterações imprevistas, há muita gente a interrogar-se sobre o ter prevalecido a ideia de uma aterragem suave (soft landing) ao contrário do esperado.)
De facto, o abrandamento da inflação americana tem sido evidente. Várias medidas o evidenciam, sobretudo na primeira metade deste ano, após dois anos de inflação persistente. A simples comparação entre os 6,4% de julho de 2022 com os 3% em julho de 2023 no índice de preços ao consumo e, como Mike Koncsal o sublinha com perspicácia, os 3,6% de taxa de desemprego em 2023, o rácio emprego-população com 25 a 54 anos e o crescimento económico na primeira metade de 2023 de 2,2% indiciam estarmos perante o que muitos desejavam ser uma aterragem suave.
Estes valores têm despertado como é óbvio um enorme interesse explicativo. O que explicou então a aterragem suave no contexto de uma política monetária que decididamente foi restritiva?
É neste contexto que tem enorme interesse o artigo de Mike Koncsal publicado pelo Rossevelt Institute.
O economista americano demonstra, com pormenores empíricos e analíticos que transcendem o alcance deste blogue, que a desinflação registada na economia americana foi essencialmente determinada pela expansão da oferta e não pela diminuição da procura. Ele decompõe o índice de preços da despesa de consumo pessoal em 123 itens centrais e chega à conclusão que 73% dos bens e 66% dos serviços desse cabaz viram os seus preços descer concominantemente com aumento de quantidades, evidência que ele interpreta como um indicador de expansão da oferta.
Este resultado não deixa de ser surpreendente pois a política monetária restritiva visava a redução da procura e o que é ainda mais surpreendente é que isso ainda é mais evidente em categorias de bens e serviços que apresentam uma correlação muito forte com a procura.
O que é particularmente novo na análise de Koncsal é o facto dele demonstrar que a relevância da expansão da oferta como fator de desinflação não é apenas registado em categorias de bens e serviços praticamente indiferentes às condições de procura, mas mais sensíveis a desenvolvimentos globais. Koncsal que a desinflação via expansão da oferta acontece e também em grande medida em categorias que são historicamente muito sensíveis a condições de procura. Tudo isto significa que a “aterragem suave” assentou na combinação entre importantes aumentos de oferta e uma ligeira redução de procura que fez descer a inflação de forma significativa sem qualquer custo visível no nível de emprego.
Atrevo-me provocatoriamente a perguntar: foi esta “aterragem suave” produto da competência do regulador e da política monetária?
O conselho com que Koncsal termina o artigo é enigmático e não antecipa uma resposta necessariamente positiva a esta interrogação: “Paciência e deixar que os dados falem por si é por agora o objetivo mais importante para os fazedores de política”.
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