Vamos então à rentrée pura e dura, aquela que verdadeiramente hoje se inicia embora alguns a tenham procurado antecipar. Foi o caso de Luís Marques Mendes (LMM), o comentador televisivo que se lançou de corpo inteiro a uma mais do que previsível e desejada candidatura presidencial (eleição a ter apenas lugar em janeiro de 2026) sem deixar de a subordinar humildemente à vontade do País nesse sentido (o “chamamento” a que se refere Clara Ferreira Alves na sua coluna desta semana no “Expresso”, definido este como uma “palavra grossa invocada por políticos fora do ativo com reputações que cresceram exponencialmente depois de se retirarem do ativo”). O facto é que rigorosamente nada em LMM acontece por acaso, sendo certo que o homenzinho anda a preparar a jogada há anos, tendo a missa dominical na SIC por principal montra (aliás bastante plástica para quem ouve e vê com olhos de ouvir e ver) e o desinteresse e incultura do eleitorado nacional por fundamento implícito (voltando a Clara: “Não se pode ser presidente em novo, convém acumular rugas da experiência, conhecimento das intrigas políticas, uma visão globalizante (e já estou a discursar como um político dos nossos), globalizante pois, dos problemas e dos desafios da grande nação portuguesa. E ter almoçado e jantado com quem é quem neste país.”). Sobre a ideia, Marcelo chutou para canto, Portas arrasou-a em nome de uma outra prioridade para a Direita portuguesa, Santana arrasou-a em nome de si próprio e Durão também não a encarou de modo especialmente recetivo, mas os comentadores estiveram ao seu melhor nível e especularam até dizer chega quanto a um alegado favoritismo do dito (esquecendo, todavia, que o assunto não está nem poderá estar de todo na ordem do dia, como muito bem sugeriu Luís Montenegro). No que me toca, e avisando desde já que me engano frequentemente no que a projeções diz respeito, vejo com a maior dificuldade que os portugueses se possam deixar convencer por figura tão falha de mínimos (e não me refiro apenas à estatura física mas também à intelectual nos seus mais diversos planos) para o desempenho do cargo de mais alto magistrado da Nação, mas insisto em que a procissão ainda vai no adro e o ruído criado apenas serviu a LMM para se ir colocando com sucesso à frente de uma fila que os nossos preguiçosos media possam ir convenientemente explorando.
Enquanto isso, e com o almirante Gouveia e Melo remetido ao silêncio pelas chefias militares (graças a Deus, ainda há quem mande nas Forças Armadas!) e o lado socialista a permanecer largamente distanciado da matéria, por um lado porque pouco terá a dizer num momento em que os seus nomes mais falados são os de Augusto Santos Silva, Mário Centeno (o que corresponderia a uma indevida vitória da tecnocracia sobre a política profissional, nem em tal quero crer!), António Vitorino (recém-desempregado, após ser alvo de uma traiçãozinha feia) e Francisco Assis (lançado por Álvaro Beleza na esperança de que algo ainda lhe possa sobrar), com o nome de Ana Gomes a surgir à boleia de uma anterior candidatura honrosa que não quererá repetir e António Guterres (o preferido de Marcelo, a meu ver) a ser chamado ao palco na coluna semanal de António Barreto no “Público” (ele que assim se redime de tanto ter criticado o secretário-geral da ONU durante o seu passado de executivo).
Numa outra linha de análise, bem mais séria diga-se, a rentrée também já conta com dois factos que anunciam algum potencial de movimentação e conflitualidade política: por um lado, o de um PSD que, após longo tempo “em parte incerta”, parece querer, finalmente, dar sinais concretos de vida, com as propostas fiscais de Montenegro (a aposta no IRS não é passível de contestação para quem vai conhecendo o estado do País e da sua classe média) a revestirem-se de um conteúdo cada vez mais notoriamente palpável para uma parte significativa dos eleitores portugueses (mas as saudades de Passos...); por outro lado, o de um confronto abertamente assumido entre o Presidente da República e o Governo no tocante ao pacote “Mais Habitação”, com Marcelo a jogar forte na procura de amedrontar (veto e palavras justificativas arrasadoras) e Costa a não se fazer rogado em ir à luta frontalmente (ou através dos seus peões designados para o efeito, a sua número dois Mariana e a sua ministra da pasta Marina), uma querela que, não fora a efetiva relevância do tema para uma parte substancial dos cidadãos, mereceria ser apenas tomada por aquilo que realmente vale para os dois protagonistas, ou seja, uma leviana questão do foro da honra, do ego e da vaidade pessoal de um e do outro.
Depois, e para além destes tópicos já de si pouco palpitantes e razoavelmente insignificantes face aos problemas do mundo, uma referência é ainda devida à restante oposição, dos ridículos e bem demonstrativos (por meramente ideológicos) cartazes da Iniciativa Liberal (porquê o recurso a uma expressão artística de “realismo socialista” e o que são, afinal e para o efeito, “países liberais”?) aos anúncios de instabilidade social provenientes das rentrées do PCP (Festa do Avante) e do Bloco ― com os seus recentes novos líderes (Paulo Raimundo e Mariana Mortágua) a apresentarem-se, ainda assim, algo desinspirados nas suas repetitivas argumentações e reivindicações.
Pela amostra junta, tudo indica que o período que se estende até à próxima Primavera será longo por dificilmente suportável. A inércia do status quo em que de alto a baixo estamos mergulhados continuará a abafar a respeitabilidade de qualquer ideia de mudança. Seguir-se-ão as Europeias e aí, quem sabe?
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