(O Banco de Portugal divulgou hoje a análise anual elaborada pelo Governador Mário Centeno num modelo de quatro páginas, de leitura relativamente acessível e rápida, a que deu o título de “Encruzilhada de Políticas”. A análise hoje publicada baseia-se obviamente em trabalhos e análises elaboradas no Banco de Portugal e reporta-se ao período que medeia entre 2015 e o início do período inflacionista, projetando o Governador o que se espera da tal encruzilhada de políticas para regressar a um panorama de taxas de juro mais baixas. Imagino que a oposição não vai ficar lá muito satisfeita com a síntese agora publicada, algo que será provavelmente extensivo a Marcelo, já que o desempenho da economia portuguesa é visto pelo Governador como positivo, sobretudo quando comparado com os primeiros quinze anos deste milénio.)
A perspetiva de Centeno quanto ao desempenho da economia portuguesa é essencialmente marcada pela ideia de que no período após 2015 o desempenho em matéria de fatores estruturais do crescimento e sustentabilidade (capital humano, capital físico e conhecimento tecnológico) revela níveis de coerência apreciáveis. Se quanto ao primeiro e terceiro daqueles fatores estruturais já antevia essa boa prestação, surpreendeu-me a extensão da nota positiva ao capital físico. Daí a segurança do veredicto: “Enquanto a área do euro crewceu 15% nos primeiros 15 anos deste século, Portugal ficou-se por um parco 1%. Em contraste, desde 2015 crescemos 17% e convergimos com a área do euro, que cresceu 13%. Depois de atingir um máximo em 2019, a atividade económica recuperou rapidamente da pandemia. Em 2023, a atividade, o emprego e os salários estão em máximos, colocando a economia de novo acima dos valores potenciais”. Imagino António Costa a esfregar as mãos.
O que me surpreendeu na análise, como referi anteriormente, é o comportamento do fator estrutural do capital físico: “nos últimos oito anos cresceu 48% acima dos 25% da área euro, sustentado em critérios de exigência e rendibilidade. O investimento privado cresceu 54% e em 2022 representava quase 90% do total. Em simultâneo, as empresas aumentaram a autonomia financeira. Se até 2015, o passivo representava mais de duas vezes os capitais próprios, hoje caiu para menos de 1,5 vezes. Nesse período, a abertura ao exterior elevou o peso das exportações na economia para 50% em 2022”. Se acrescentarmos a quase duplicação da rendibilidade operacional das empresas, que no caso das PME mais do que triplicou de 3,8% para 12,4%, percebe-se a alusão de Centeno de que a preparação encontrou a oportunidade certa.
Como seria de esperar, na nota de Centeno a ameaça inflacionista é tratada sobretudo no quadro da relevância que as despesas com o serviço de crédito à habitação permanente podem exceder 50% do rendimento das famílias, à qual o Governador contrapõe a necessidade de redução do endividamento, de apoios públicos e de um papel acrescido do setor bancário na prevenção do incumprimento das famílias. Apesar disso, a perspetiva de Centeno é otimista, estimando que sem choques exógenos adicionais e com a transmissão progressiva dos efeitos da política monetária a inflação se aproxime dos 2%.
Mas o que me parece surpreendente na nota de Centeno é que ele fale do risco de “fazer demais” na dimensão da política monetária, indo ao ponto de não hesitar em deixar uma ideia de “forward guidance”: “assegurada a convergência para a estabilidade de preços, a política monetária deverá traçar um caminho previsível de redução e taxas de juro, mas longe dos tempos de taxas de juro de zero ou mesmo negativas”.
Talvez a parte mais discutível da nota de Centeno seja quando ele admite que a coordenação de políticas contra cíclicas empreendida para responder à crise pandémica, eficaz e diferenciadora do modo como a Europa respondeu ao problema, possa ter uma réplica quando o ciclo se inverter. Não estaria tão ciente dessa possibilidade.
De qualquer modo, cheira-me que esta nota anual do Governador do Banco de Portugal vai ter longos e largos ecos na comunicação do Governo. E de facto não é para menos.
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