Cada vez mais me acontece pouco ter a ver com as avaliações cinematográficas dos nossos críticos de serviço; e refiro-me apenas aos que considero jornais nacionais de referência como o “Público” e o “Expresso”. A única exceção palpável à crescente recorrência desses meus desencontros com tais ilustres especialistas está em Jorge Leitão Ramos, um analista visivelmente conhecedor mas não dominantemente guiado por uma necessidade de ostentação de uma veia culturalmente intelectualizante e elitista. Adiante.
Apesar dos críticos, fui ver “Oppenheimer”, um drama histórico dirigido por Christopher Nolan e baseado num livro biográfico vencedor do Prémio Pulitzer (“Prometeu Americano: O Triunfo e a Tragédia de J. Robert Oppenheimer”, de Kai Bird e Martin J. Sherwin). Cento e oitenta minutos de filme mas outro tanto lastro de interesse e qualidade, com especial destaque para o modo como se vai evoluindo de um retrato fiel e muito estimulante do ambiente académico americano e da importância da investigação fundamental para os dilemas éticos do protagonista que o acabam a quase se considerar como cúmplice de um crime.
O quadro é, obviamente, o da vida profissional e pessoal de um físico teórico da Universidade da Califórnia (após circulações enriquecedoras por outras geografias) que seria o diretor do Laboratório de Los Alamos aquando do Projeto Manhattan (o qual, durante a Segunda Guerra Mundial, teve por missão projetar e construir as primeiras bombas atómicas), tudo isso tendo desembocado nas tragédias de 1945 em Hiroshima e Nagasaki (Japão) que praticamente determinaram o fim da guerra.
Vasco Câmara (que escreve uma crítica razoável mas não deixa de acusar o realizador por querer “espetaculizar o filme de ideias”) explica que a obra poderia ter por título “como comecei a inquietar-me e a detestar a bomba”, referindo ainda que o mesmo está construído como um inquérito à personagem em causa que se desenrola simultaneamente em dois palcos: “Um é interior às peripécias do filme. Depois da Segunda Guerra Mundial, do lançamento das bombas sobre Hiroshima e Nagasaki, Oppenheimer colocou-se, no debate norte-americano, na defesa da não-proliferação de armas nucleares e da retenção na corrida entre os EUA e a URSS. O que o levou a ser questionado pelos sectores conservadores devido à sua proximidade, nos anos 30, ao Partido Comunista. Na América do senador Joseph McCarthy, Robert Oppenheimer tornava-se suspeito: tinha de ser "clarificado" pois estivera em contacto com matéria de alta segurança do Estado. O outro palco é mais fantasmagórico porque está mais próximo de nós: ampliando as questões morais e éticas que assolavam Oppenheimer, o eco ressoa para além dos episódios narrados e instala-se no espectador que vive na época em que a Rússia invade a Ucrânia e a escalada nuclear volta a ser prato servido nos noticiários.”
Um outro grande mérito do filme de Nolan está nas interpretações, com significativa prevalência para a do ator irlandês que se notabilizou na popular série “Peaky Blinders” e que aqui tem o seu primeiro papel de protagonista num filme de grande dimensão (Cillian Murphy). Embora também se distingam as prestações de Emily Blunt e Matt Damon, entre outros.
Digam o que disserem os entendidos, “Oppenheimer” é um dos imperdíveis de 2023, preferencialmente visto numa sala de cinema perto de si.
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