(Ao contrário da generalidade do comentário político europeu e nacional que tem ficado quase em êxtase com a solidariedade europeia para com a Ucrânia, sobretudo por ser inesperada face ao ponto de partida, sempre achei que a história está mal contada. A principal razão para o meu ceticismo está na presença de perigosos cavalos de Troia no seio da União, protagonizados por países em significativo declive democrático e que têm integrado as hostes do apoio entusiástico ao país invadido com base em acordos em seu favor que têm muito pouco de democrático e solidário. Por isso, entendo que a decisão de alguns países europeus, com a Polónia e Hungria à frente, se terem oposto à entrada de cereais ucranianos no seu território em manifesta defesa dos interesses agrários poderosos que sustentam sobretudo o governo conservador e reacionário polaco deveria ter sido melhor analisada como algo indiciador de que a solidariedade com a Ucrânia assenta em bases muito frágeis. Está, assim, explicado o bate-boca entre Zelensky e o Governo polaco e sobretudo a decisão deste último em suspender o envio de armas em ajuda do país invadido. À distância, Putin agradece.)
Zelensky, do alto da sua coragem e do estatuto de país invadido, e que por isso tem todo o direito de pedir ajuda para se defender, não tem papas na língua e perante a audiência internacional que tem torceu o nariz quanto à posição equívoca da Polónia em matéria de cereais. Aliás não é uma posição equívoca. Ela é bem clara. Os interesses agrários que sustentam entre outros fatores o conservadorismo polaco no poder valem mais do que a solidariedade europeia e por isso o Governo polaco não está disposto a abrir as fronteiras aos cereais ucranianos que estes, desesperadamente, desejam escoar antes que se deteriorem e comprometam uma fonte relevante de exportações. Não há mais clareza do que isto, trata-se de proteger um interesse nacional fundador do apoio político ao governo conservador e isso vale mais para os polacos do que a solidariedade.
Tal como o têm feito em situações de outro tipo, o Governo polaco e os seus companheiros de ocasião reservam-se a possibilidade de jogar em contrapartidas para mitigar a situação, mas neste caso os interesses da base de apoio político do conservadorismo soam mais alto.
Zelensky, sem papas na língua, teria obviamente de incomodar o “establishment” polaco de não ferir interesses internos fundamentais e, invocando a necessidade de se concentrar na sua própria estratégia de defesa, o Governo polaco anunciou o seu propósito de suspender o envio de armas para o seu vizinho invadido. Claro que pode perguntar-se se estamos apenas perante uma espécie de jogos florais e flores de estilo diplomático para consumo político interno, uma espécie de retaliação dos tempos modernos. Uma correção do tom por parte de Zelensky poderia eventualmente abrir caminho a uma não irreversibilidade da decisão tomada, mas sinceramente acho que há aqui questões bem mais profundas do que uma questão de estilo diplomático. Penso que a União está no limiar da resistência em matéria de exequibilidade da solidariedade interna e, decididamente, os cavalos de Troia não ajudam, antes suscitam nuvens negras.
Por estas razões sou cético em relação a um alargamento da União de grandes proporções, não no sentido de que será possível e até desejável sob certos pontos de vista, sobretudo o da segurança. Mas, em meu entender, as transformações internas que tal resultado poderá exigir em termos internos poderão ser de tal ordem que, ao falarmos de alargamento da União, estaremos a falar de algo que não imaginamos sequer o que será e não necessariamente o mais positivo para os mais excêntricos territorialmente.
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