Já aqui me referi, sobretudo aquando de uma viagem ao Chile (post de 17 de janeiro de 2012), à situação trágica que marcou o país há exatamente cinquenta anos e lhe deixou marcas traumáticas ainda hoje por superar: o bombardeamento militar do Palácio de La Moneda e o suicídio/homicídio do então presidente eleito Salvador Allende, ao que se seguiram os dezassete anos da ditadura cruel e sanguinária de Augusto Pinochet (3200 mortos e mais de um milhar de pessoas ainda hoje dadas por desaparecidas). Não obstante, cinquenta anos sempre são isso mesmo, cinquenta anos, ademais com a minha bem presente memória do peso que o conhecimento do facto teve em termos de uma crescente consciencialização e radicalização política em plena ditadura marcelista (como recordo aquela conversa à entrada de Cedofeita, junto a um alfarrabista que ainda lá existe, com o meu companheiro de viagem de então, o José Nogueira!). Aqui fica, pois, esta nota de breve imersão no passado.
Estando com a mão na massa, aproveito ainda para ir ao presente do Chile, um presente estranhamente perturbado e perturbador. Para quem observa de longe e em diagonal, houve três presidentes relativamente sólidos no poder (os socialistas Ricardo Lagos e Michelle Bachelet e o independente de direita Sebastián Piñera) até que deflagraram os violentíssimos acontecimentos de rua de 2019 (que o António Figueiredo aqui então comentou) e emergiu a esperança associada à eleição do jovem Gabriel Boric em 2022 (que de algum modo saiu do núcleo de comando daqueles), situação que algo imprevisivelmente desembocou na larga rejeição popular (62%) de uma proposta de referendo constitucional promovida pelas forças presidenciais e de esquerda. O que trouxe o Chile a um novo impasse, para não dizer retrocesso democrático (por via da crescente afirmação na cena política da extrema-direita através da fação mais radical do Partido Republicano de José António Kast, político que vencera a primeira volta eleitoral em 2021), com os cidadãos a exibirem uma muito significativa indiferença relativamente à coisa pública e a sustentarem de forma sonante a defesa do autoritarismo (ou até da necessidade de um novo golpe de Estado à la Pinochet) perante a insegurança e a corrupção. O momento atual é de espera sobre o destino de uma nova tentativa de proposta constitucional a plebiscitar a 17 de dezembro, sendo que as sondagens apontam para nova rejeição (apesar das notórias diferenças que o documento evidenciará em relação ao anterior, bastante progressista segundo alguns ou bastante insensato segundo contrapõem outros) e que o único dado democraticamente positivo é o que provém de uma carta conjunta (Democracia sempre) promovida por Boric e subscrita pelos ex-presidentes Frei, Lagos, Bachelet e Piñera, sinalizando assim uma frente razoavelmente unida contra eventuais pretensões subversivas que possam eclodir por parte da extrema-direita e/ou de responsáveis militares. Esperam-se três meses de alguma tensão mas, entretanto, o dia de hoje está a ser assinalado em cerimónia festiva q.b., a qual contará com a óbvia presença do nosso mais recente turista de serviço António Costa.
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