Prosseguindo a minha limitada incursão em torno das rentrées que vão sendo observadas por diversas paragens, cabe hoje a vez aos “grandes” da Europa, no caso os dois países mais populosos e que são frequentemente considerados como liderando a União (Alemanha e França, sendo seguramente uma mais líder do que a outra), e um terceiro que, pesem embora as suas variadas debilidades económico-sociais, é igualmente populoso (cerca de 59 milhões, contra 48 da Espanha e cerca de 37 da Polónia) e igualmente fundador, a Itália.
Na Alemanha, o primeiro dado a salientar provem da imagem com que Olaf Scholz fez a sua reaparição pública, após um alegado incidente doméstico em que feriu o olho agora tapado por uma pala. Uma imagem que rapidamente se tornou viral e deu lugar aos inúmeros memes a que o próprio declarou ir estar atento. Dito isto, e mais olho menos olho, o certo é que a Alemanha atravessa um período difícil em que, após alguns sucessos visíveis (redução da dependência energética face à Rússia, nomeadamente), uma recessão se afirmou e várias incertezas ocupam o seu horizonte (a “The Economist” fez recentemente uma capa em que se interroga em torno de a Alemanha ser ou estar a tornar-se novamente no sick man of Europe). Eis um tema a merecer novas abordagens.
Em França, um presidente definitivamente mal-amado e que tanto prometeu (nada menos do que reformar o país e a União), viveu meses de uma imensa e violenta contestação de rua e arrasta-se agora no poder sem que novas ideias e grandes expectativas voltem à tona; os cidadãos, que maioritariamente nunca se deixaram iludir com as criações de Macron, já descontaram este exercício (y a-t-il encore um président? ou et s’il n’avait plus rien à nous dire...) e prolongam exibições do seu descontentamento, com a última sondagem publicada pelo “Libération” (ver infografia abaixo) a dar conta de um medo em crescendo por associação a uma visível normalização de Marine Le Pen (a este nível, e sob diversos planos, os números apresentados são de estarrecer!) e, assim, ao seu posicionamento na pole position para uma corrida presidencial que mais do que nunca a poderá consagrar. O que seria, certamente, um momento gravíssimo de viragem antidemocrática numa Europa que há anos vem adiando uma tal chegada negativamente distintiva (não, não me parece podermos estar perante mais uma reedição da história de “Pedro e o Lobo”) da extrema-direita ao poder.
Por fim, e no que toca à Itália, a extrema-direita já comanda mas Giorgia Meloni tem sabido gerir inteligentemente o seu lugar contra as exigências e os protestos do seu vice e mais radical rival (Matteo Salvini), a ponto de já ter vindo a alterar significativamente diversos aspetos do seu programa eleitoral e de ir conseguindo manter um diálogo relativamente aberto com os poderes bruxelenses. O que apenas serve para demonstrar que a relação de forças importa, frequentemente obrigando os protagonistas a ajustarem comportamentos e práticas perante as pressões circundantes. E, portanto, que a relação de forças não mudou com Meloni ao comando italiano (há um ano, a “The Economist” perguntava-se a propósito se Should Europe Worry?) mas tenderá seguramente a mudar com Le Pen e no cenário menos previsível, mas que vai fazendo o seu caminho, de uma extrema-direita alemã (AfD) a poder aspirar a algo mais do que a uma moderada capitalização do protesto (veja-se o gráfico mais abaixo em que se dá nota de que surge pela primeira vez à frente de uma sondagem nacional), evoluções terríveis mas infelizmente cada vez mais passíveis de concretização.
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