terça-feira, 5 de setembro de 2023

A ESPANHA NO FIO DA NAVALHA

 

                                                            (El Español)

(Os eleitores espanhóis, depois de anunciarem uma tendência nas municipais e autonómicas parciais, colocando a direita e a direita radical do VOX num número significativo de comunidades autónomas, decidiram no 23 de julho não conceder uma maioria absoluta nem ao PP isolado nem com uma aliança de governo com o VOX. Costuma dizer-se que o eleitorado vota e o resultado tem de ser politicamente interpretado. Ora existe muito boa gente em Espanha que, embora liberal de raiz, caso do El Español, uma espécie de Observador espanhol mas sem gente ressabiada e vingativa como no projeto português, que interpretou que o eleitor mediano espanhol desejava um acordo ao centro entre PSOE e PP. Não vou discutir as bases para essa interpretação porque me parecem demasiado débeis. Além disso, se pensarmos nos “anteriormente” esse acordo ao centro exigiria um reposicionamento tal, sobretudo do PSOE, que dificilmente as lideranças poderiam ser mantidas. Nesse contexto e tendo em conta o processo muito espanhol das investiduras, cuja teatralidade tende a amplificar as crises e o confronto de posições extremas, os cenários que se abriram são particularmente dolorosos. Ou a repetição de eleições sem garantias que o resultado eleitoral seja substancialmente diferente ou dois processos de verdadeira inventiva política, com o PP a procurar uma investidura impossível ou com o PSOE a ter de negociar com o independentismo mais radical. Tudo isto com a usura do tempo político em ação, no meio de uma Presidência europeia.)

Se a intenção de investidura de Feijoo é meramente simbólica porque condenada ao fracasso parlamentar, o processo de negociação a que a coligação PSOE-SUMAR se vê obrigado está ferido de uma complexidade tal que dificilmente o resultado, mesmo que podendo garantir a investidura de Sánchez, será politicamente estável. E não estou a falar das propostas de novos pactos territoriais para as comunidades autónomas históricas, particularmente País Badco e Catalunha, já que nessa área existe no PSOE conhecimento e inteligência para conseguir alguns avanços, ainda que para um observador europeu seja difícil antecipar em que domínios e sob que formas poderão as autonomias ser aprofundadas. Estimo que sob algumas inovações legislativas a negociação nesse domínio se traduziria essencialmente em recursos orçamentais adicionais. O que não seria uma impossibilidade.

A matéria mais explosiva da negociação para a investidura de Sánchez com acordo dos independentistas respeita, como é óbvio, ao projeto de amnistia para os independentistas catalães que caíram na alçada da lei espanhola forçando o referendo, culminar do designado “procès”. Quis a aritmética eleitoral conceder ao Junts per Catalunya e ao exilado (mais propriamente em fuga) Puigdemont uma força eleitoral apreciável para compor a maioria parlamentar para a investidura. E como se previa, não tendo nada a perder, Puigdemont reivindica não apenas a amnistia para poder regressar a Espanha e não ser preso, mas avança também de novo com a exigência do referendo para a autodeterminação catalã.

Em meu entender, o projeto de amnistia provocará no direito constitucional espanhol um lio dos diabos, já que pelo tenho lido será praticamente impossível acomodar na Constituição espanhola essa decisão. A amnistia que o Junts e também a Esquerra Republicana reivindicam não parece ser uma proposta de pacificação, mas uma espécie de amnistia para o futuro e para a frente. Daí que a reivindicação do referendo venha no pacote.

A Vice-Presidente Yolanda Diáz (SUMAR) deslocou-se ao local de exílio de Puigdemont, ou seja ao estrangeiro, para negociações objetivamente concertadas com Pedro Sánchez, o que reacendeu o ambiente de polarização extrema, com acusações graves do tipo de anomalia democrática, cedência a chantagem política, destruição do Estado de direito, para me ficar apenas com as mais brandas. É de facto uma ironia eleitoral que o independentista mais inconsequente e ideologicamente mais vazio, Puigdemont, determine o rumo da negociação numa situação de fora da lei (recordo que os líderes da Esquerra foram condenados pelo procès e estiveram presos). A resiliência política de Sánchez começa a entrar por domínios de uma mais que provável insanidade democrática, questionando-me se os benefícios de uma investidura necessariamente instável serão superiores aos custos de uma repetição eleitoral de resultados imprevisíveis.

Mas a Espanha é assim, excessiva e impetuosa.

 

Sem comentários:

Enviar um comentário