(Por todo o mundo e não apenas cá pelo ocidente mais desenvolvido, a questão energética está ao rubro, independentemente da questão climática ser ou não palco de negacionismos desmiolados que invocam sobretudo o tempo muito longo para desvalorizar o problema. Noah Smith tem razão quando nos alerta para que a velha tensão entre o recurso a combustíveis fósseis ou a fontes alternativas de energia, que ainda parece deliciar alguns dos intervenientes neste debate, corre o sério risco de nos conduzir a um debate não centrado na adaptação necessária ao que está efetivamente a acontecer. De facto, o que tem estado a acontecer em matéria de fontes de energias renováveis, particularmente o solar e a eólica, é de molde a permitir antecipar que a questão fundamental será hoje e nos tempos mais próximos a adaptação aos novos tempos. E, como a economia da inovação e do progresso tecnológico sempre nos ensinou, a relação entre inovação tecnológica e preço assume nesta matéria uma importância primordial. Sabemos que são residuais os casos em que a inovação tecnológica não é acompanhada seja pela substituição de produtos e instrumentos, mas especialmente pela descida do preço médio dos produtos que usam a nova tecnologia. A inovação em saúde é um desses raros casos e há explicação sólida para o compreender, que é aliás uma das dores de cabeça dos orçamentos públicos que têm de acomodar a subida continuada do preço relativo dos preços da saúde. Também na questão das energias renováveis ou alternativas, a variável preço começa a manifestar o caráter inexorável da sua relevância. Outra questão é a de saber se as renováveis irão substituir integralmente as fósseis, já que também sabemos que nem sempre a nova tecnologia erradica totalmente a velha. Por vezes, esta última adapta-se e, mesmo em perda de mercado, consegue resistir e não desaparecer.)
É um facto que a questões das emissões de gases com efeitos de estufa (não esquecendo a importante questão do metano) continuam a apoquentar as organizações mundiais do clima. A evolução observada está longe de corresponder à diminuição esperada, continuam a aumentar e na melhor das hipóteses estaremos em vias de uma estabilização dessas emissões. Mas, enquanto esses dados justificam a preocupação dos observadores do aquecimento global e multiplicidade de situações severas anómalas como este verão tem sido pródigo por todo o mundo, não pode ignorar-se a revolução em curso.
O gráfico que abre post, elaborado pelos precioso Our World in Data, foca-se na evolução registada entre 2099 e 2019 e permite registar a significativa descida do preço de produção das novas unidades de energia solar e eólica. Descidas, respetivamente, de 89 e 70% correspondem a uma mudança que muitos consideram já irreversível. E de novo esperamos a relevância da variável-preço como elemento de consolidação de uma mudança tecnológica. O mesmo poderia ser observado em relação à questão das baterias utilizadoras de lítio. Esta evolução reduziu substancialmente a chamada faixa das alternativas competitivas, hoje praticamente limitadas ao solar, à eólica e ao gás natural. O que é relevante assinalar é que tal acontece mesmo não considerando a subsidiação pública, o que mais reforça a ideia de mudança algo imparável.
Como também a economia da inovação nos ensina, a evolução do preço é determinante mas não absoluta nos seus efeitos. No caso da energia, a intermitência com que ela é produzida, a sua armazenagem tendo em conta a flutuação diária da procura, a sua consistência e o modo como a produção pode ser escalada também interessam para a equação que determina quem liderará a produção.
Os dados que vão sendo conhecidos confirmam a revolução em curso. Por exemplo, estima-se que em 2023 mais do que 50% da energia produzida nos EUA será de fonte solar. Como já aqui referi, esta evolução é mesmo pautada por um paradoxo: a retórica política que reina entre os Republicanos contra as renováveis não significa rigorosamente nada do ponto de vista das opções que vão sendo assumidas. Assim, o estado do Texas (quem diria?) é o estado estrela em matéria de energia solar nos EUA, o que mostra a meu ver a força da variável-preço.
No plano mundial, embora a energia solar represente ainda cerca de 5% de toda a energia produzida, estima-se que essa percentagem possa rapidamente aumentar, à medida que o efeito demonstração do preço seja cada vez mais visível e transmissível. A oriente, como sugeria ontem no Eixo do Mal a Clara Ferreira Alves, a seriedade com que a questão climática está a ser assumida tenderá a fazer alastrar esse efeito de demonstração.
Por isso, conviria termos presente que, durante alguns anos, a questão climática já não poderá ser discutida no pressuposto de uma clara oposição entre energias fósseis e energias renováveis, mas antes sob a necessidade de adaptação rápida a uma revolução tecnológica que parece imparável.
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