domingo, 10 de setembro de 2023

AINDA AS REAÇÕES À NOTA DE CENTENO - E O ELOGIO DA TEMPERANÇA SEGUNDO ALBERTO CASTRO

 


(Tal como o referi na altura certa, a nota de 4 páginas publicada pelo Governador do Banco de Portugal relativa à situação macroeconómica portuguesa, iniciando um novo estilo de comunicação, teria que suscitar a atenção do comentário político nacional. Essa decisão de opção por um novo formato comunicacional agudizou a curiosidade sobre as ambições políticas de Centeno, alguém que como sabemos aprendeu bastante em termos políticos depois de ser o economista com uma melhor perceção do problema central do mercado de trabalho em Portugal – a segmentação. Mas o que verdadeiramente me espantou foi o desencontrado conjunto de interpretações e leituras que a nota suscitou, segundo um registo que me pareceu totalmente ao lado do aspeto essencial que decorre da leitura do Governador. Ontem, finalmente, lendo a crónica do meu Amigo Professor Alberto Castro no Dinheiro Vivo (“O elogio da temperança”), publicado como suplemento do Diário de Notícias, ainda sem link para a edição digital, encontro alguém que em meu entender terá compreendido bem que a nota do Governador é especialmente elogiosa para a ação do Governo no período de 2015 ao surto inflacionista pós-pandémico. Outra matéria que valeria a pena discutir seria a de saber se há neste pronunciamento algum conflito de interesses com a atuação anterior de Centeno como Ministro das Finanças e tentar compreender o que é que o Governador pretendeu alcançar com esta nova forma de marcar a sua presença à frente do Banco de Portugal.

A grande maioria das notas de comentário que a comunicação de Centeno suscitou foi na sua grande maioria orientada para nela encontrar possíveis alfinetadas à atuação do Governo. Tudo como se na comunicação social existisse um comportamento pavloviano que reage ao mínimo pormenor noticioso para nele encontrar fonte de crítica mais ou menos virulenta. Existem vários exemplos desses reflexos envenenados, um dos quais é a conhecida rábula da avaliação dos ritmos de crescimento da economia portuguesa como se não existisse contexto macroeconómico europeu atual. Os referidos reflexos levam regra geral os jornalistas a falar da Irlanda como contraponto, embora nos tempos atuais nem isso funcione na perfeição dada a conjuntura menos positiva de crescimento do PIB na Irlanda da exportação comandada pelas grandes multinacionais.

Alberto Castro é especialmente perspicaz quando escreve: (…) o texto que Mário Centeno publicou torna o irritante otimismo de António Costa uma brincadeira de crianças. Afinal, está tudo bem ou quase. Mais a sério: é uma análise sobretudo macroeconómica que esquece os detalhes da microeconomia das instituições e evita, ainda assim, temas mais incómodos como, por exemplo, a evolução da produtividade. Mas, mais importante, o texto mostra implicitamente a importância de termos alguns consensos e da persistência da estratégia, bem como o tempo que os resultados demoram a aparecer. A Educação é o melhor exemplo, Num país em que, devido aos atrasos, parece haver pressa para tudo, e radicalismo em tudo, os resultados na Educação, e dela decorrentes, são um elogio tácito à temperança e ao gradualismo, só possíveis num quadro de acordos duradouros”.

Estou de pleno acordo com a nota de Alberto Castro, já que ela demonstra que a nota de Centeno é sobretudo a valiosa interpretação das entrelinhas. O disparate dominante na comunicação social de nela encontrar alfinetadas recriminatórias da ação governativa apaga todo o interesse de ir além das outras entrelinhas, das que valeria a pena discutir.

E uma das questões terá de ser obviamente esta: se a educação é universalmente considerada um fator de crescimento, então porque razão os resultados em matéria de crescimento tendem a tardar, apesar de alguns fogachos conjunturais (designadamente o do período 2015-2022, aliás destacado pela própria nota de Centeno) parecerem inverter a situação?

É um tema que me encanta, até porque a perspetiva dominante no comentário económico nacional ignora que associar ao capital humano (educação sobretudo secundária, superior e avançada) o estatuto de variável independente com um peso econométrico explicativo relevante nos ritmos de crescimento económico dos países não significa que, enquanto instrumento de política, e trate de um remédio de efeitos rápidos. É que, tal como a econometria nos ensina, esse valor explicativo da variável capital humano é obtido controlando por outras variáveis que também influenciam o crescimento económico, ou seja, pressupondo que essas outras variáveis permanecem constantes. Ora, na prática, é de uma combinatória de variáveis que se trata e não de mudanças uma a uma, permanecendo as restantes inalteradas. É uma discussão que nos levaria longe para a qual temos neste blogue contribuído com algumas reflexões. Por exemplo, o declínio demográfico português tende a rebaixar o produto potencial da economia portuguesa, não esquecendo que uma larga parte desse capital humano vai sim influenciar as equações do crescimento de outros países, ainda por cima a custo zero. Além disso, variáveis como o desempenho (gestão e estratégia) e o número de empresas que podem absorver e rendibilizar a melhoria do capital humano não contribuem também para a melhoria desejada.

 

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