quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

EUROPEÍSMOS (II)

(Raymond Burki, http://www.24heures.ch)
 
A começar o mês, a consabida solidariedade europeia ficou novamente à vista no Conselho Europeu que aprovou as Perspetivas Financeiras 2014-2020. Com a evidência de uma manta assim tão curta, como é que ainda há quem continue a fazer profissões de fé em torno de um possível federalismo salvador?

(Philippe Chappatte, http://global.nytimes.com/?iht)
 
A terminar o mês, a prestigiada “Itália da arte” viu-se atropelada pela emergência de um circo populista de inverosímil escala. Dados os reflexos imediatamente sentidos em termos de “nervosismo dos mercados”, como é que há quem continue a fazer profissões de fé em torno de uma crise em retirada perante um rumo justo e inabalável?

FROM GENÈVE



Ainda em Genève, não posso deixar de reparar na contradição que existe entre as condições de trabalho amenas e até bucólicas que se vivem nas instalações da OIT e as condições de trabalho de muitos países sobre as quais a organização se tem debruçado, denunciado e constituído uma referência de propostas para níveis mais decente de trabalho e das condições para o exercer. O ambiente é calmo, distendido, excelente para a reflexão, as áreas são vastas, mas contrastam de facto com a incomodidade das condições de trabalho em muitos dos contextos nacionais.
Genève é uma cidade manejável, não direi afetiva e acolhedora, mas muito acessível. Alguns indicadores simples de favorecimento do uso de transporte público dão o mote: (i) o visitante que chega ao aeroporto prime um botão à chegada numa máquina solícita e tem acesso a um bilhete gratuito de 2ª classe para transporte público até ao centro da cidade com duração de 80 minutos; (ii) os hotéis oferecem a cada cliente um bilhete de transporte público gratuito válido para todo o período da sua estadia.
Com toda esta ambiência e a hospitalidade e o rigor de Daniel Vaughan Whitehead, coordenador do projeto no âmbito da OIT, mergulhei hoje na complexidade e diversidade não só da incidência do Modelo Social Europeu, mas sobretudo das alterações que estão a ser generalizadamente introduzidas na sequência da crise de 2007-08 e da crise das dívidas soberanas (neste caso atingindo sobretudo os países da Europa do sul). É, de facto, difícil isolar o que são alterações induzidas pela procura de níveis mais elevados de eficiência da despesa pública e da complexa gama de intervenções do estado das que vêm associadas ao já aqui por várias vezes comentado mito da austeridade expansionista. No grupo de trabalho, estão representados alguns países do leste e centro europeu, neste caso a Estónia, Hungria e Letónia. À medida que vou tomando contacto com a realidade destes países, nos quais o Modelo Social Europeu é visto como um resquício do velho socialismo, pelo menos pela generalidade dos governos que têm estado recentemente no poder, melhor compreendo as dificuldades de negociação destes temas no contexto europeu. Falar de modelo social europeu nesses países exige de facto muita imaginação e boa vontade. A defesa de posições na Europa do sul é neste contexto tarefa ingrata.
A perspetiva da OIT começa a ficar clara. O objetivo é apresentar evidência consistente dos impactos estruturais que a crise e as políticas de austeridade estão a provocar nos diferentes elementos do referido modelo social, sem embargo das medidas implementadas para assegurar a sua sustentabilidade. Pela nossa parte, as baterias estão apontadas em reunir evidências sólidas sobre a degradação da posição das classes médias, com todas as consequências que daí advirão.

ADDIO

(Emilio Giannelli, http://www.corriere.it)

Talvez um dia Hollywood nos venha revelar a verdade contida no motu próprio de Ratzinger, que hoje se concretiza abrindo um novo capítulo na luta de fações com que se exprime a crise interna da Santa Sé. Que foi o próprio Bento XVI a exibir publicamente ao denunciar “o egoísmo e a hipocrisia, as divisões e o individualismo que deturpam a Igreja, acentuando rivalidades e lutas pelo poder”. E, neste quadro, já ninguém hoje duvidará de que o peso da dimensão moral (pedofilia, p.e.) fica bem longe de ombrear com o volume da dimensão material (“Vatileaks”, p.e.), trazendo à memória acontecimentos obscuros como os que envolveram o colapso do Banco Ambrosiano após a morte de Paulo VI e o suspeito desaparecimento do seu sucessor João Paulo I…

ELES COMEM TUDO…


Um pequeno break na coisa pública séria, ainda que também com fortes incidências privadas, para uma referência curiosa a um assunto privado não menos sério e tendo igualmente significativas implicações no domínio público.
 
Uns dias antes do rebentamento do recente escândalo em torno da carne de cavalo, aliás de contornos bem rocambolescos, foi revelado o “Atlas da Carne” (Fundação Heinrich-Böll / Bund / Le Monde Diplomatique) deste nosso mundo predador e suicida. Ficou-se a saber que os maiores consumidores de carne a nível mundial são os nossos amigos alemães, com nada menos do que 60 quilos anuais por cabeça – o que corresponde a cada cidadão alemão deglutir ao longo da sua vida uma média total de 1094 animais de alto e médio porte, a saber (imagem do “Die Welt”): 945 frangos, 46 porcos, 46 perus, 37 patos, 12 gansos, 4 bois e 4 ovelhas. Chocante, quase repelente!

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

MODELO SOCIAL EUROPEU



Em Genève, por força da minha colega Pilar Gonzaléz que me meteu nestas andanças, em dois dias de trabalho para discutir os avanços do projeto sobre as consequências da crise e das derivas impostas pelas políticas de austeridade. Num país em que o estado social é recente, instável pelas orientações políticas para a sua consolidação e desigual em termos de dimensões, públicos e territórios, é sempre difícil participar em discussões cujo teor tende a concentrar-se inevitavelmente sobre os países em que a arquitetura do modelo é mais acabada.

Para além da identificação das singularidades da presença do MSE, procurarei defender o argumento de que mesmo antes dos impactos da crise de 2008 e das derivas das políticas de austeridade, o Estado Social em Portugal estava sob pressão, devido sobretudo ao esgotamento do modelo de crescimento que agonizou na década de 2000. Presentemente, está sob uma dupla pressão. Os problemas do esgotamento do modelo de crescimento continuam presentes, agora agravados com o desmantelamento imposto pela consolidação fiscal abrupta e desregulada.

Mas o projeto conta com outras economias do sul – Espanha, Grécia e Itália. Veremos o que dá essa discussão.

HONRA E GLÓRIA A ANTÓNIO LOURENÇO


Já que estou com a mão na massa, aproveito para citar mais outro amigo e novamente a partir do JN.
 
Os editoriais do Jorge Fiel são frequentemente deliciosos e de uma oportunidade desconcertante. Mas desta vez apenas uso o último deles (“O Rio é fino como um alho”) para apontar o dedo acusador a mais uma injustiça em vias de ser cometida pelo edil do Porto: quando, no próximo 25 de abril, Rio distribuir as suas últimas medalhas da cidade, terá havido mérito municipal grau prata para a cantora do hino dos Dragões (Maria Amélia Canossa), tal como no passado houve mérito municipal grau cobre para um simbólico boavisteiro (Manuel do Laço). Mas ficará definitivamente por distinguir o velho Lourenço trompetista!
 
Em plena coerência com o bacoquismo que tão alegre e inconscientemente exibiu durante o seu tão rigoroso reinado, Rio termina como começou (cito): “um político que a primeira coisa que fez após ser eleito presidente da Câmara foi levar à cena um western de 4.ª categoria, com o Porto a fazer de cidade selvagem do Faroeste, reservando para ele o papel do xerife que enfrenta um bando de malfeitores, onde se conluiava perigosos agentes culturais, empreiteiros e o F.C. Porto”…

OUTRO DESABAFO…

 
Junto aqui a voz do meu amigo Alberto Castro, no seu artigo do JN desta Terça-Feira (“A Estratégia dos Palpites”), à do nosso João Pedro que o António Figueiredo aqui citou, com um tão elevado sentido de pudor que não ouso afrontar, no seu post do dia 22 (“Um Desabafo…”). Desabafemos, então, em conjunto:
 
“Como [reformar o Estado] passa por acabar com a tomada de decisões por palpite. O que está a dar, agora, é o impacto do alargamento do canal do Panamá. Alguém olhou para um mapa e concluiu que Portugal é o país europeu que lhe está mais perto. Até agora isso fazia de Sines a porta de entrada na Europa, justificando a linha férrea para Badajoz. Não fossem os navios falhar o alvo, eis que o argumento se repete, desta vez, para Lisboa. Não tenho competência para discutir a utilidade de construir a linha férrea de Sines à fronteira. Pergunto-me: por que não Aveiro? Tenho ouvido e lido que, para além da Autoeuropa, o grosso das mercadorias que passam por Sines não tem na ferrovia uma alternativa de escoamento para a Europa. Não sou, também, capaz de avaliar se a Trafaria é a alternativa certa para retirar os barcos de Santa Apolónia. Em qualquer caso, o que li sobre logística marítima diz-me que a narrativa da porta de entrada para os navios provenientes do Panamá soa a lenda, sobretudo quando os principais mercados de destino estão no Centro e Leste da Europa. Estou disposto a ser refutado. Há estudos sérios e independentes sobre o assunto? Mostrem-nos! Enquanto se decidir assim, não há reforma do Estado que nos valha!”

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

ECCOLA



 
Bastou que em Itália se exprimisse todo o absurdo do voto dazzardo para que os mercados voltassem a fazer rugir o seu esplendor animal.
 
Acima, os resultados das eleições legislativas italianas em três diferentes modalidades: os números – refletindo como as percentagens finais obtidas pelos principais contendores não permitem, façam-se as contas que se fizerem, qualquer cenário de governabilidade admissível pela câmara alta –, a prosa – vitória tangencial de Bersani, remontada de Berlusconi, boom de Grillo e flop de Monti, eis uma excelente síntese – e a ilustração – pelos traços de Emilio Giannelli (http://www.corriere.it), Jeff Danziger (http://www.nytimes.com) e Dave Brown (http://www.independent.co.uk), este escolhendo um título tão notável quanto o de a “ressurreição de Lázaro”.
 
Abaixo, um gráfico evidenciando a evolução recente do spread das obrigações italianas a 10 anos relativamente às alemãs e provando que não era preciso ser bruxo para antecipar os verdadeiros pés de barro em que assentava todo o discurso oficializado em torno da ideia de um fim da crise. Até já Passos veio hoje avisar, à cautela, que o nosso tão magnificente acesso aos mercados pode ficar remetido a um eufórico fogacho do mau marketing político…

DESCALÇAR A BOTA …



Descalçar a bota ou como fazê-lo parece-me um bom mote para descrever a situação política em Itália, mas também em Portugal, por razões muito diversas mas que têm um tronco comum, o modo como a União Europeia e a zona Euro abordaram a crise das dívidas soberanas nas economias do sul.
Em Itália, por muito que o esforçado Monti tenha agradado às autoridades europeias e aos mercados, a vontade democrática está nos seus antípodas. O populismo anda à solta, seja ele trágico-burlesco à Berlusconi ou do tipo anti-sistema, indignados ou de rotura popular como o de Beppe Grillo. E será com parte deste populismo que o sóbrio mas talvez já ultrapassado Bersani terá de governar em condições de uma desde já antecipável instabilidade. O representante querido de toda a nomenclatura europeia, Mário Monti e o seu agrupamento centrista, vê-se circunscrito a muito pouco mais de 10%. Em resumo, derrota em toda a linha da abordagem em curso às crises das dívidas soberanas e da sequência de timings políticos em que ela assenta. E o que é mais complexo sem a emergência de uma linha política clara de alternativa a essa mesma abordagem. Pura rejeição democrática.
Por cá, há também uma bota para descalçar e não é trabalho pouco. O governo, em estilo chico esperto ou de esperteza saloia, resolve agora colar ao argumento da recessão europeia, como se ela estivesse tão oculta para só agora ser descoberta. Se o país estivesse dependente dessa esperteza saloia para conseguir alguma flexibilização por parte da Troika estaríamos bem aviados. O que poderá contar é a significativa unanimidade das forças que têm protagonizado a concertação social. Hoje, à saída das conversas com o PS, a unanimidade de posições parecia contradizer a conflitualidade da concertação social. É obra da maioria conseguir a unanimidade da rejeição. O descalçar da bota está neste caso não propriamente numa ida a votos ao longo de 2013, mas na questão de saber como é que esta maioria consegue uma saída minimamente airosa que permita acomodar politicamente alguma viragem e sobretudo alguns pontos para uma recuperação mais rápida.
Botas pesadas que vêm de um tronco comum: o erro histórico da consolidação fiscal a todo o preço, no pressuposto de que os mercados se sobrepõem à democracia.

A ÂNCORA CULTURAL


Recupero a minha noite de Quinta-Feira em Serralves, onde foram apresentados os resultados de um louvável exemplo de transparência e accountability dado pelo respetivo Conselho de Administração: a encomenda de um estudo à “Porto Business School” sobre o impacto económico imputável à Fundação.
 
Eis a sua conclusão mais forte: o “complexo artístico” gerido pela Fundação terá acrescentado cerca de 41 milhões de euros à riqueza nacional, pago em torno de 20 milhões de remunerações, contribuído para a criação de 1296 postos de trabalho, envolvido quase 700 mil pessoas (perto de 200 mil não nacionais) e entregue ao Estado um valor em impostos a rondar os 11 milhões de euros. Ou seja, terá havido efetivo retorno para os 4,1 milhões de euros de dinheiro público concedido e terá ficado demonstrada a ligeireza e mesquinhez com que o Governo tem abordado o dossiê do financiamento à cultura em geral e às fundações em particular.
 
Quanto ao resto de uma sessão muito rica, sintetizo-o em uma confirmação, duas surpresas e três referências curiosas. A confirmação veio de Carlos Costa, o governador do Banco de Portugal que foi convidado a comentar o estudo – por coincidência coordenado pelo seu irmão José Costa, numa première entre os dois ao cabo de 41 anos de atividade profissional largamente contígua. Carlos começou por lembrar Vasco Airão para depois elaborar sobre a importância da cultura e do intangível no desenvolvimento, sobre o conceito de “capital social”, sobre instituições culturais dinâmicas (versus inertes), sobre a significância de sinais de modernidade na projeção da imagem de um território, sobre criatividade e inovação, sobre “criação de contexto” e de ambientes de inquietação. Em grande forma!
 
As surpresas vieram do lado do PSD e dos seus dois representantes em palco. Paulo Rangel, mais solto do que o habitual, ajudou a fazer as honras da casa com uma graça e um sentido de oportunidade que nem sempre consegue pôr nos seus desempenhos públicos – como quando afirmou, sorrindo, que “afinal há parcerias público-privadas boas” e que não deviam ser essas a levar os cortes ou como quando sugeriu haver necessidade de se dizerem coisas nas instâncias europeias. Carlos Moedas, o secretário de Estado adjunto, encerrou as intervenções de um modo totalmente inesperado – um guião inteligente, uma presença simpática e uma atitude aberta – para quem apenas o conhecesse das tristes aparições públicas que tem protagonizado; citou Keynes, com quem disse ter aprendido a ser cético em relação à falsa precisão, confessou ter acabado por aderir à ideia de um impacto da cultura na economia, alargou a coisa ao valor económico da língua portuguesa e à economia social, disse que a economia não é “uma coisa das nove às cinco” e não esqueceu mesmo um tributo ao jovem Gaspar há vinte anos contratado por Teresa Gouveia para abordar a matéria.
 
Por fim, três citações pontuais mas de forte simbolismo. Rangel, após uma leitura algo pobre de Marx como arauto da vitória da infraestrutura económica, a postular que haverá sempre um reduto da cultura que escapará à economia. Moedas, numa interpelação sobre o valor último de Serralves e tendo em conta o muito que ainda é incalculável, a interrogar se alguém ainda conseguirá imaginar o Porto subtraído de Serralves. Luis Campos e Cunha, fazendo um paralelismo com Nova Iorque não ser os Estados Unidos mas só poder existir lá, a sublinhar que Serralves também só podia ter acontecido no Porto.
 
Haverá ainda a registar que ninguém entoou o “Grândola Vila Morena”. Embora daí não tivesse vindo qualquer mal ao mundo…

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

VOTO DAZZARDO?

(Francesco Tullio Altan, http://www.repubblica.it)

As eleições italianas que estão neste preciso momento a decorrer podem vir a tornar-se determinantes para o devir da crise europeia. Como não alcanço as razões para que um personagem tão grotesco quanto “Il Cavaliere” consiga manter-se na “crista da onda” do espetro político de um país como a Itália, limito-me aqui a dois humildes registos: acima, o da hipótese proveniente de um cidadão médio que confessa não conseguir conter-se e ser escravo do voto “ao calhas”; abaixo, o da certeza associada à incerteza reinante em relação às escolhas finais entre “um comediante espirituoso, um magnata exibicionista, um tecnocrata eficiente ou um político confiável”, com posteriores reflexos em termos de formação de um governo. Dizem os mais sensatos que um desejável governo “normal” e estável talvez pudesse passar por uma re-coligação entre a coligação expectavelmente mais votada (liderada pelo Partido Democrático de Bersani) e aquela que será provavelmente a quarta classificada (liderada pelo primeiro-ministro cessante, Mario Monti). Buona fortuna!
 

PAS DE SOUCI?


É-me cada vez mais claro que a França já se tornou e irá ser cada vez mais um elemento nevrálgico no quadro das (in)definições que moldarão o destino da “construção europeia”. Para o bom e para o mau e em múltiplos e variados tabuleiros.
 
Três capas de três jornais europeus deste fim de semana disseram-no indiretamente, e muito a seu modo. O francês “Le Figaro” sublinhando quanto as previsões bruxelenses do défice público (3,7% e 3,9% 2013 e 2014, respetivamente) determinam que Hollande já não tenha mais margem de manobra e se terá de render ao rigor, leia-se à receita dominante da austeridade. O britânico “Financial Times” sublinhando também que a França já chegou ao momento de pedir tempo para o cumprimento das metas estabelecidas para o seu défice. O alemão “Die Welt” recorrendo sintomaticamente à imagem do “Almoço na Relva” de Manet – ao tempo exibido no “Salon des Refusés”, que ocorreu em paralelo com o oficial “Salon de Paris”, e objeto de escândalo junto dos extratos mais conservadores da sociedade – para deixar no ar uma pouco ingénua interrogação sobre quão preguiçosos são os franceses.
 
Ça va être dûr